Foto: Aliocha Maurício/O Estado

 Berezovoy participou de uma missão como ocupante da antiga estação especial soviética Salyut-7.

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O que você acha de passar alguns dias no espaço, como o turista espacial (e milionário) Dennis Tito, que pagou US$ 20 milhões à agência espacial russa para realizar seu sonho? Após a aventura, o que ele mais reclamou foi das condições adversas que se encontram numa nave espacial. Imagine então o que passou o ex-cosmonauta russo Anatoly Berezovoy, que em 1982 participou de uma missão de mais de 211 dias fora da Terra, como ocupante da antiga estação espacial soviética Salyut-7, que foi precursora direta da Mir e da Estação Espacial Internacional.

"A vida por lá é relativamente fácil pelo fato de se estar permanentemente sob gravidade zero e de que temos uma rotina bem rígida", conta Berezovoy. Ele está no Brasil para uma série de palestras de divulgação do lançamento de um livro de ficção científica, Rumo às Estrelas. Em Curitiba, o cosmonauta, que hoje treina astronautas, disse como o brasileiro Marcos César Pontes está se preparando na Rússia para partir para o espaço em março do ano que vem. "Marcos só precisa praticar mais seu russo, que por enquanto é muito ruim para poder estar numa nave nossa", brinca o cosmonauta.

Mesmo que sua postura de ex-soldado soviético o impeça de reclamar de viver preso em pouco mais de alguns poucos metros quadrados a mais de 400 quilômetros acima do planeta, Berezovoy admite que um tempo de permanência mais longo acaba criando problemas. "Mas para quem passa quase 12 anos se preparando para estar lá, isso não é motivo de reclamar", afirma. A estação Salyut-7, revela, consistia de um único compartimento. "Já a estação Mir era composta de diversos compartimentos e cada cosmonauta tinha sua própria cabine individual e a Estação Internacional é muito mais espaçosa".

Acidentes

Berezovoy lembra de um episódio divertido em sua estada na estação espacial. "Quando precisávamos fazer nossas necessidades, íamos a uma cabine. Como não havia gravidade, era preciso acionar um ventilador que as sugava. Éramos treinados para não pensar em nada mais fora aquilo, porque se não ligássemos o aparelho, quando o cosmonauta saía da cabine, as necessidades vinham flutuando junto com ele. Tinha um grande cartaz logo à frente para lembrarmos disso todo hora". Mesmo assim, Berezovoy diz que, em duas ocasiões, alguém esqueceu de ligar o ventilador. "Pior que a pessoa responsável não assumiu. Até hoje não se sabe quem foi", ri.

Turismo

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Depois do californiano Dennis Tito, em 2001, o sul-africano Marc Shuttleworth e o norte-americano Gregory Olsenb também aproveitaram a má fase do antigo império soviético para visitar o espaço. "Não vejo mal nenhum nisso. O avião também começou com uso estritamente militar e acho que os vôos espaciais serão o futuro", garante o cosmonauta. Mesmo assim, ele explica que a utilização da estrutura russa ainda divide opiniões entre seus colegas.

Esquecendo qualquer rixa que poderia haver no seu passado militar, Berezovoy vê com bons olhos o plano dos Estados Unidos em construir uma base lunar. "Acredito que seria ótima uma aliança entre a Rússia e os EUA, mas existe também a chance de a Rússia participar do recente programa espacial da China, que também estabeleceu a meta para desembarque na Lua."

Formação

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Berezovoy nasceu em 1942, na aldeia de Enem, em uma família de trabalhadores rurais. "Aprendi a ler com cinco anos de idade. Quando entrei na escola li todos os livros da biblioteca", conta. Diz que sua carreira foi influenciada pela ficção científica, mas apenas a russa. "Infelizmente, naquela época não havia traduções de escritores de outros países por lá." Sobre seus preferidos, ele cita Isaac Asimov. "Mas não gosto nada de filmes sobre o espaço. Eles sempre inventam coisas que não tem nada de verdadeiro".