O vício do cigarro é de (quase) completa responsabilidade pessoal. Ser gordo(a) já é uma circunstância que se pode atribuir tanto à carga genética quanto ao empenho com o qual alguém (já adulto e portanto menos vigiado) maneja os talheres e o conteúdo dos pratos. Ambas circunstâncias são hoje socialmente condenáveis.
O tabagismo pela sabida implicação com doenças pulmonares e cardiovasculares. A obesidade por ser incomodamente discriminatória numa sociedade globalizada que progressivamente está abandonando a ética em favor dos dietéticos. Segundo avaliação do laboratório Vernalis, a porcentagem mundial dos (tecnicamente) obesos já excede os 19%, ou seja, de cada 5, 1 é gordo(a). Fome “Zero” é uma fenomenologia assaz localizada. De maneira similar, mais do que 1/3 dos yankees já são considerados obesos. Campeões mundiais da fartura e estômago.
Cumprindo a fase final de testes acha-se uma droga de síntese química, o Rimonabant, que promete um duplo benefício [1] (até agora; que ninguém se esqueça do tumulto social gerado com o recolhimento, em todo mundo, do antiinflamatório Vioxx pelo laboratório fabricante em função do risco de infarto miocárdico e apesar dos lucros de US$ 2,5 bilhões em 2003): perda de peso até um limite de uns 9 quilos através da moderação do apetite combinada a uma “onda indutora forte” para o abandono do cigarro e sua nociva fumaça. O Rimonabant é definido como um antagonista dos receptores canabinóidicos do tipo CB1 (implicados em reações animais do tipo fome, ansiedade, dor). Sem que o nome assuste: a maconha é rica em THC (tetrahidrocanabinol, dentre outros canabinóides; Fig. 1). Uma das (múltiplas) reações é o despertar da fome. Uma empresa farmacêutica, exercitando a metodologia de pesquisa dita “SAR” (Structure – Activity Relationship = Correlação entre a Estrutura (química) e a Atividade (Farmacológica), tratou então de sintetizar (química e/ou enzimáticamente) um análogo à uma droga nativa com a finalidade de anular o efeito (é o que faz o Rimonabant se comparado ao THC da Cannabis sativa ou maconha ou haxixe). Confirmando o alegado de que um novo (e efetivo) medicamento custa à indústria cerca de US$ 100 milhões e 10 anos entre pesquisa, ensaio e aprovação, o estudo com Rimonabant iniciou em 1994. Agora já cumpridas então as fases de avaliação pré-clínica e II (“trials”), conclui-se agora a fase III e daí a expectativa de que entre em comercialização em 2005. É possível que esta estimativa venha a padecer de algum atraso, pois o laboratório produtor pretende explorar, farmacologicamente, as duas propriedades (emagrecimento e abandono do fumo) e elas devem ser então objeto de avaliação clínica por separado. O ensaio clínico levado a cabo em Montreal, Canadá, em 2004, efetivamente acusou um decréscimo de 8 a 9 quilos/paciente e uma paralela e impressionante redução de 9 cm na cintura dos pacientes-cobaias recebendo 1 comprimido de 20 mg/dia pelo período de 1 ano. Em termos de análises laboratoriais o sangue dos 1.036 obesos em regressão acusaram uma redução de 15% no teor de TGAs (triglicerídios ou triacilgliceróis) e um incremento de 23% nas HDL (High Density Lipoproteins ou “colesterol bom”). São dados endossados pela Université de Laval e pelo Laval Hospital Centre de Cite Québéc, na costa este francesa do Canadá. Curiosamente, não foi encontrada diferença estatística entre os pacientes tratados e aqueles-placebo (que não receberam medicação verdadeira) no que toca ao nível de LDL (Low Density Protein ou “colesterol ruim”).
Todavia, neste particular apareceu uma notável diferença: os tratados com Rimonabant passaram a apresentar um perfil sérico em que as partículas de LDL eram de dimensão maior, oferecendo portanto menor risco de acidente vascular (aterosclerose). Outros parâmetros animadores foram a medida da proteína C-reativa, a qual é uma biomarcadora indicativa de processo inflamatório e nos tratados, esta se encontrava reduzida em 27% comparativamente aos 11% do placebo. Outra proteína biomarcadora de tecidos adiposos, a adiponectina foi encontrada reduzida em 41% no grupo dos tratados em relação aos bem mais modestos 13,6% no grupo-placebo. O conjunto de resultados apurado aponta para uma ação bem tolerada e metabolicamente insuspeita do medicamento antiobesidade e antitabagismo.
No que tange à avaliação da ação de cessação do vício tabagista, o experimento conduzid na University of Cincinatti (Ohio; USA) com Rimonabant como um bloqueador seletivo dos receptores endocanabinóides do tipo CB1 (presentes no cérebro e também em outros tecidos como o lençol adiposo abdominal) se demonstrou que em relação aos fumantes-placebo aqueles tratados com a dose padrão antes mencionada exibiram um número duplicado de sucessos. Um cromatograma completo (análise em que cada linha vertical representa um componente químico definido) aponta para a fumaça do cigarro comum (tabaco de Nicotiana tabacum) uma complexa relação de mais de 4.000 componentes dos quais mais de 750 são hidrocarbonetos (muitos do tipo poliaromáticos e carcinogênicos conforme indicado com o no. 23 na figura) e mais de 280 são fenóis. O componente dominante, a nicotina (“pico” 20) é reconhecida hoje em dia como o alcalóide diretamente responsável pela geração da dependência, vício ou adicção ao tabaco.
Como corresponde a título de alerta ao leitor(a): se você achou este artigo interessante, não se aventure internauticamente em compras sem antes consultar seu médico(a).
Notas:
[1] Duarte C. et al. (Faculty of Medicine Pitie-Salpetriere, Paris, France) Neuropsychopharmacology, 2003 Dec 17
José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor emérito da UFPR, orientador na Pós-Graduação de Ciências Farmacêuticas da UFPR, 11.º. prêmio paranaense em C&T e pesquisador 1A do CNPq.