A OMS ? Organização Mundial de Saúde informa que existem cerca de 170 milhões de diabéticos no mundo. Isto equivale praticamente à população toda do Brasil. A estimativa é que este número duplique nos próximos 20 anos. Dentre todos diabéticos, cerca de 90% são pacientes do diabetes tipo 2, usualmente incidindo a partir dos 40 anos e fortemente correlacionado com a obesidade e cujo controle se faz com sulfoniluréias, tiazolinadionas e outras drogas sintéticas que bloqueiam a absorção de glucose ao nível dos intestinos ou inibem sua biossíntese no fígado. Todavia, os 10% padecendo do diabetes tipo 1 (predominantemente infanto-juvenil), com determinante genético (herança), é que estão sujeitos à medicamentação mais desconfortável de reposição ou reforço hormonal: insulina (agora de engenharia genética), seringa, agulha, picada e dor, embora inaladores e emplastros para liberação controlada do hormônio também estejam na pauta.
Laboratórios farmacêuticos e outras empresas no ramo de neo-tecnologias se empenham na criação de novas ferramentas para a medicamentação e monitoramento da doença. Comentaremos 3 destas novidades.
No que tange ao monitoramento da glicemia (taxa de glucose circulante) de um paciente diabético, a colheita sanguínea com lanceta não é menos desagradável do que a injeção terapêutica. Há anos se arrasta uma operação de convencimento do FDA ? Food & Drug Administration (USA) para o aceite formal do “Diasensor-1000“, um reflectômectro baseado em luz infra-vermelha (I.V.), que, na forma de um minúsculo feixe, incide sobre o braço apoiado do paciente, atravessa a pele, “enxerga” o conteúdo de um vaso sanguíneo e com base numa janela espectral especialmente desenhada para reconhecimento de glucose, fornece então, em minuto, a concentração circulante deste açúcar, a qual num indivíduo normal, em jejum, deve se situar abaixo de 90 mg% ou seja 0,9 gramas / litro. Embora de dimensões reduzidas (cerca do dobro do tamanho de uma torradeira de pão fatiado) tal aparelho não foi ainda miniaturizado a ponto de ser portátil para cada paciente. Tem custo estimado na faixa de uns US$ 8.000, o que, pessimistamente, prestar-se-ia apenas a atender diabéticos ricos. Otimisticamente, uma máquina destas disponibilizada pelo poder público dentro de uma unidade móvel e operada por um técnico competente poderia atender lotes de 50 a 100 pessoas dia.
Na fronteira das preparações medicamentosas propriamente ditas, dois avanços mais recentes resultaram do saudável duelo de genialidade entre as comunidades química e bioquímica. Merecem comentários em vista de preencherem critérios exigentes que são utilizados para o endosso da novidade por parte de instituições semi-centenárias e centradas na divulgação dos avanços em C&T médico-farmacêutica tais como a ProusScience, com sede em Barcelona, Espanha. Tais critérios são: originalidade da estrutura química, singularidade do mecanismo de reação, progresso através das exigentes etapas de síntese, purificação e avaliação (ensaios clínicos) e efeitos superiores aos estabelecidos para outros medicamentos similares ou não, já conhecidos.
Ambas inovações exploram o conhecimento prévio de que a biossíntese e secreção de insulina pelas células beta do pâncreas provocadas pela ingestão de alimentos açucarados (este hormônio governa a transposição da glucose circulante para dentro das células e ali sua “queima” metabólica e pró-energética) está mediado por outros hormônios auxiliares do próprio pâncreas e do aparelho gastro-intestinal, além de fatores de liberação hormonal próprios do mesmo trato digestivo, designados de incretinas e cujas siglas são GIP e GLP-1 (peptídio inibitório gástrico e peptídio similar ao glucagon, respectivamente). Infelizmente, a vida média destes ativadores pró-insulínicos é muita curta pois na corrente sanguínea, uma enzima regulatória, a peptidase IV (DPP IV) os hidrolisa com muita eficiência. Sumariamente, DPP IV destrói GIP e GLP-1, estes responsáveis pela indução da produção e liberação de mais insulina, que por sua vez “administra” o destino e utilização mais corretos da glucose ingerida ou circulante. A estratégia em favor dos diabéticos se resume então a: 1) ao invés de reforçar ou ministrar (mais) análogos das incretinas GIP e GLP-1, opta-se por “engenheirar”, quimicamente, inibidores da peptidase (DPP) IV. O efeito líquido seria, então, vida mais longa para as incretinas, níveis adequados ou melhores de insulina, maior tolerância à glucose ou seu excesso, a qual é indispensável por ser o biocombustível de eleição do organismo humano e 2) na outra mão, análogos estruturais de polímeros naturais de aminoácidos (e.g., as próprias incretinas) que exerçam papel fisiológico no metabolismo de carboidratos através da adequação dos níveis de biossíntese, secreção e atuação da insulina.
A novidade terapêutica criada pelos químicos tem a complicada sigla DVP-DPP-728 (v. figura 1) e não tem qualquer semelhança estrutural nem com o carboidrato-chave (glucose) nem com qualquer aminoácido constituinte da insulina ou de seus peptídios auxiliares. Antes visa uma interação bloqueadora com a peptidase DPP IV, enzima degradadora das ditas incretinas.
O neo– medicamento tem com um dos grupamentos funcionais a aminopiridina (anel nitrogenado à esquerda da fórmula), também presente em anti-histamínicos. Já foi testada em 12 + 93 pacientes com integral sucesso e a avaliação acha-se na fase pré-final de ensaios clínicos.
Na linha bioquímica, a novidade é o Exenatide, um peptídio de apenas 39 aminoácidos, cuja estrutura primária (seqüência linear de contas do rosário de aminoácidos) é enriquecida em serina (5; Ser), ácido glutâmico (5; Glu), glicina (5; Gly) e prolina (4; Pro).
Este peptídio sintético quimicamente “mimetiza” outro, natural, no qual foi inspirado: a exendina-4 presente na secreção oral de um lagarto gigante (Heloderma suspectum, o “monstro Gila”) ambos estruturalmente semelhantes à incretina GLP-1, portanto, biomoléculas que garantem uma redução segura do nível de glucose sanguínea sem contudo levar o paciente diabético 2 (normalmente capaz de sintetizar e secretar insulina sem contudo beneficiar-se de seu pleno efeito fisiológico) ao estado de risco dito hipoglicemia. O ensaio da neo-droga peptídica em 336 pacientes voluntários (diabéticos mais amenos do tipo 2) resultou bem sucedido e o estágio mais avançado da fase de testes clínicos em curso pode levar à liberação ainda em 2004.
Encontrado nos desertos da costa norte-americana e mexicana, o réptil Gila é venenoso e sua mordida provoca dor intensa. Um exemplar jovem pode se alimentar, de vez, em cerca de metade de seu peso a partir de roedores e outras presas. Um adulto excede meio metro de comprimento e cerca de 1,5 Kg de peso, o que certamente desencorajaria afagos para a coleta de saliva, razão portanto do trabalho laboratorial dos cientistas para levar a cabo, in vitro, a síntese do peptídio terapêutico pro-diabético. É todavia um exemplo clássico da justificativa em se proteger toda e qualquer biodiversidade, o que, por Lei, efetivamente acontece nos estados yankees onde é encontrado, apesar do lagarto ser sabidamente venenoso. Há ratos e coelhos de sobra por lá que a Natureza, sábia e auto-ecológica, sabe balancear na exata medida até a intervenção do homem.
Notas:
1. Nos USA dos cerca US$ 700 bilhões / ano destinados à saúde pública, 14% se destinam à diabetes e suas sérias complicações.
2. Suspeita e tratamento de diabetes deve ser objeto de consulta junto a um endocrinologista ou clínico geral.
José Domingos Fontana é Pesquisador 1-A do CNPq, docente e orientador voluntário na Pós-Graduação de Ciências Farmacêuticas da UFPR e recipiente da Comenda Nacional de Mérito Farmacêutico do CFF-Brasília-DF.