Difícil imaginar que um monumento natural semi-centenário como um Pinus ponderosa que povoa os rincões montanhosos do oeste canadense possa sucumbir ao ataque de um relativamente minúsculo coleóptero como o besourinho negro Dendroctonus ponderosae com 0,5 cm.
A fêmea do besouro a ser fecundada perfura o córtex do pinheiro e usando eficiente chamamento do macho, bem como de colegas de ofício de mesmo sexo, através de feromônios, após a cópula e fecundação que tem a casca da árvore como lençol e abrigo, deposita seus ovos na superfície do anel mais externo da madeira, fazendo uma incisão longitudinal. Ocorrida a eclosão dos ovos, estes como larvas abrem perfurações transversais ao leito aberto pela mãe e buscam, gulosamente, alimento, ou seja, a própria madeira, transformando-se então em pupas, a forma morfogenética semi-final do inseto adulto. Paralelamente, viceja a proliferação de um fungo da série “blue staining” (manchadores azuis; Ophiostoma spp.). A reação aparente do pinheiro doente é excretar resina (pitch tubes). Segundo o recente evento internacional ocorrido em Joinville-SC, os estados de PR e SC, em conjunto, cultivam ca. 1 milhão de ha com reflorestamento de Pinus. Trata-se de um patrimônio cuja proteção futura clama por vigília com ditames C&T para evitar o assustador quadro atual do Canadá, país-líder no cenário mundial em celulose. Lá, a madeira atacada (e irremediavelmente perdida, pois a única solução é o corte e queima no próprio local) se elevou, na última década, de 100.000 (1994) para mais de 173 milhões de metros cúbicos. Paralelamente, o besouro passou a ocupar uma área de 25 para mais de 100.000 km quadrados. A província de British Columbia é a maior vítima. A perda de madeira foi estimada em US$ 2,5 bilhões no ano comercial /2001.
Os fungos degradadores de madeira se enquadram em podridão branca, marrom e mole (white, brown, and soft rot molds), dependendo de como cada gênero ataca ou mais eficientemente vira sua bateria bioquímica de enzimas contra os três macro-componentes da madeira: celulose, hemicelulose e lignina. Uma 4.ª classificação inclui os “manchadores azuis” (blue staining). Pouco fosse o estrago esburacador do besouro, este ainda se faz acompanhar de um fungo do último grupo mencionado. O custo (além do risco de contaminação) não permite processar a madeira perifericamente deteriorada, daí a razão da queima, pura e simples (e a conseqüente contribuição para o efeito-estufa). Em experimentação de campo os canadenses ainda tratam de avaliar para as áreas menos afetadas a injeção de um coleoptericida diretamente sob a casca da árvore infectada e, para as áreas já mais infestadas, adotar a ereção de árvores-isca (feromônio combinado a uma armadilha).
Dada a titulação canadense do articulista (*), o Prof. Rocha Loures (D), em nome da FIEP / Citpar nos convocou para uma palestra de boas- vindas a Gilles Trudel, diretor canadense da Sopfim Societé de Protectión des Forêts contre les Insectes et Maladies, baseada nos fitopesticidas que temos empregado no combate do mosquito da dengue, o que envolve basicamente o uso de limonóides naturais (terpenos multi-oxigenados) obtidos do endocarpo de frutos de plantas Meliáceas para inibir a biossíntese de quitina, o polímero de sustentação e do exoesqueleto de insetos. A este primeiro contato, encaixamos uma palestra de outra “prata da casa” da UFPR, o prof. Nilton José Sousa, da Proteção Florestal, que teve a felicidade, em seu doutorado, de repetir a proeza de Flávio Moscardi (Embrapa-PR), gerador da tecnologia de utilização do baculovírus para dizimar a lagarta predadora (Anticarsia gematalis) da soja. Sousa encontrou algo semelhante para combater outra lagarta-mariposa, a Condylorrhiza vestigialis, a qual se converteu em gulosa predadora de reflorestamento com álamos (Populus spp.). Para um uso mais reacional desta nova ferramenta mantém parceria com Edson Iede, da Embrapa-PR. O Brasil resolveu (parte de) o problema da cigarrinha da cana com o fungo Metharrizium. Este, um excretor de quitinases, pode infectar os insetos (besouros; traças) e progressivamente dissolver-lhes a carapaça envoltória ou exoesqueleto quitinoso. Talvez outros princípios bioativos inibidores da cadeia geradora de energia (metabolismo mitocondrial), como as acetogeninas (ácidos graxos longos, hidroxilados, peroxidados e lactonizados) que isolamos de sementes de Anonáceas (e.g., graviola) e usamos no combate de lagartas da soja (Anticaria) e do trigo (Pseudaletia) em parceria com o prof. Luiz Amilton Foerster possam entrar também em jogo, posto que ficou claro nestas discussões bipartites Canadá-Québec/Brasil-PR que os problemas enfrentados pelos canadenses na busca de proteção para suas extensas florestas naturais são complexos e se não passíveis de completa solução, pedem a aplicação de um MIP Manejo Integrado de Pragas, ou seja combinação de insumos pesticidas com outras estratégias logísticas e de manejo. Se consolidada esta experiência binacional, o Paraná (Brasil) ganhará no terreno de táticas preventivas futuras.
Interessantemente, Dendroctonus tem dentre outros inimigos naturais o simpático Dryocopus pileatus ou picapau-de-penacho-vermelho, cujo bico ponteagudo é garfo para as apetitosas larvas de besouro escondidas sob a casca dos pinheiros doentes.
José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é docente orientador da Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da UFPR. 11º. Prêmio Paranaense em C&T, Pesquisador 1ª do CNPq e pós-doutor pelo NRC National Research Council de Ottawa, Canadá.