A biotecnologia dos agronegócios deu seu primeiro passo firme com o tomate designado de Flav-Savr, obtido pela yankee Calgene, no início dos anos 90s. O tomate é rico em licopeno, um carotenóide muito efetivo no combate de radicais livres e portanto alongador da vida de quem o ingere com freqüência.
Um tomate amadurece e apodrece rapidamente por conta da expressão de um gen (DNA) que se traduz num RNA mensageiro (RNAm) que por sua vez comanda a biossíntese de uma enzima-chave: a poligalacturonase ou, vulgarmente, pectinase. Pectina, o substrato da enzima, é o polissacarídio mais importante na polpa firme do tomate verde e sua hidrólise gera o tomate macio, suculento e maduro. Logo, a síntese química de um nucleotídio capaz de se enovelar e portanto inativar o RNAm para a pectinase acaba impedindo a biossíntese desta enzima e portanto sua ação hidrolítica. Se esta ação não chega aos 100%, a vida do tomate semi-maduro na prateleira de um supermercado se alarga de um par de dias para uma semana ou um mês. Dito de outra maneira, a soja transgênica ainda assusta muita gente, mas é na salada (com ou sem maionese) que todos nós estamos viajando há muito tempo transgenicamente.
Em território antípoda ao fato acima estão as doenças humanas de cunho neurológico e a enfermidade de Huntington é uma delas. Afeta todas raças e foi batizada de "coréia (dança) hereditária" em função das descoordenações motoras que provoca. É uma doença degenerativa que afeta uma parte do cérebro, os gânglios de base. Além do caráter hereditário é também uma doença duplamente familiar pois perturba o hábito da família como um todo. Um filho(a) tem 50% de chance de herdar a enfermidade se o pai ou a mãe é doente. Felizmente a doença não é tão comum e na população norte-americana estão 30.000 doentes e mais 150.000 propensos ao mesmo fim. Se um filho(a) não herda, os netos estão livres. O gen afetado passa produzir uma proteína designada de huntingtina mutante. O metabolismo de cálcio (essencial em todas células, inclusive as cerebrais) passa a ter um destino totalmente errático. No estágio mais drástico da doença (até 15 anos após o diagnóstico) a pessoa pode entrar em óbito por conta das complicações, tais como engasgo, infecções e traumatismos cranianos (quedas).
O grande avanço logrado no tratamento médico-farmacêutico da doença de Huntington é a aplicação de um anticoagulante chamado enoxaparina. O cálcio deixa de ser "perdido" pelos neurônios marcados para morrer. É a pesquisa de Ilya Besprozvanny do UT Southernwest Medical Center, nos EUA.
Dentro de uma outra abordagem, a da biologia molecular, Beverly Davidson, da Universidade de Iowa, no mesmo país, obteve ratos mutantes para a huntingtina. O passo seguinte foi sintetizar uma variante de uma descoberta de 1998, o RNAi ou RNA de interferência, uma entidade oligonucelotídica capaz de "silenciar" genes defeituosos. Aplicado nos ratos causou sensível melhora, mas ainda não a cura completa pois a proteína mutante, infelizmente, acumula no cérebro e a que já estava pré-formada segue atuando ainda que moderadamente na provocação dos sintomas de distúrbios motores.
Os dois exemplos de avanço são indicadores de que a ciência não tem limites e a cura desta enfermidade pode ser o prenúncio de óbito para outras duas degenerações de tecido nervoso não menos graves, as doenças de Parkinson e de Alzheimer.
José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é orientador e professor emérito pelo Departamento. de Farmácia da UFPR, 11.º Prêmio Paranaense em C&T e Pesquisador 1A do CNPq.
