Os ingredientes propositadamente adicionados à rações animais |
De acordo com um informe liberado pela empresa de pesquisa de mercado Business Comunications Co., de Norfolk, CT, EUA as vendas de alimentos para animais de estimação, suplementos nutricionais, serviços veterinários e cuidados de higiene alcançarão em 2005 a formidável cifra de US$ 33,5 bilhões, dos quais US$ 15,7 milhões nos Estados Unidos da América. Somente as companhias PETCO e PetSmart’s, que operam cerca de 1.000 lojas, venderam em 2004 cerca de US$ 3,8 bilhões em produtos para consumo de animais de estimação.
O Conselho Nutracêutico Veterinário Norte-Americano define um nutracêutico veterinário como "uma substância que não seja droga ou remédio, produzida sob uma forma purificada, a qual é administrada oralmente para prover condições para uma estrutura corpórea normal e que também funciona para melhorar a saúde e o bem-estar animal". Assim, um alimento funcional (quitina; aveia) pode ser a fonte de um nutracêutico (N-acetil-glucosamina; beta-glucana) tanto para consumo humano quanto animal.
Dentro da organizada (e bem fiscalizada) sociedade norte-americana, as entidades máximas de fiscalização de produtos para consumo humano como o FDA (Food and Drug Administration / DSHEA – Dietary Supplement Health and Education Act, 1994) não se aplicam ao controle de alimentos para animais, o que tem ficado a cargo de organismos específicos tais como a AFFCO – Association of American Feed Control Officials, que todavia se restringe ao aconselhamento de ingredientes alimentares mas não aos alegados de funcionalidade ("claims"). Para preencher esta lacuna está em curso – mas todavia inconcluso um Nutraceutical Regulatory Advisory Panel. Logo, na ausência de regulamentos definitivos, o que se espera é que veterinários, fabricantes e donos de animais de estimação assumam, cada grupo, a sua parcela de co-responsabilidade frente a estes novos hábitos alimentares e promovam, portanto, um processo auto-educativo a respeito. A crítica pertinente que é feita à deficiência de controle e rotulagem nestes alimentos alegados como "funcionais" para animais, de acordo com Guy Miller, do Galileo Labs, de Santa Clara, Califórnia, um laboratório especializado em métodos analíticos para nutrientes para animais, é que eles: a) não comprovam a segurança e eficácia (inexistem regras para apontar a devida rotulagem e dosagem); b) os dados sobre mecanismo de ação dos nutracêuticos para animais de estimação são escassos e não permitem que os veterinários e pesquisadores sejam vistos como convincentes e autorizados; c) as patentes, quando existentes, são de débil conteúdo, pouco defensáveis e muito aquém dos argumentos e vantagens vistos na indústria farmacêutica destinada a humanos; d) o grau de desconhecimento e de confusão proporcionam muito pouca proteção contra questionamentos legais.
Não obstante a lacuna regulatória, há casos bem estabelecidos em que os nutracêuticos e alimentos funcionais são aceitos como de eficácia na alimentação e tratamento de animais de estimação visando uma vida mais saudável e longa. Um caso é administração de glucosamina para um melhor funcionamento de juntas e prevenção da osteoartrite. Este açúcar aminado é um componente das glicosaminoglicanas (GAGs) envolvidas na estruturação de juntas, tendões, ligamentos, pele e vasos sanguíneos. As GAGs permitem absorção de água e atuam então como amortecedores eficientes na adaptação frente ao esforço físico ou mesmo choque. Como a glucosamina é efetivamente incorporada na biossíntese de novas cadeias de GAGs (além daquela endógena, produzida pelo próprio animal a partir da glucose ou outro alimento açucarado) ela é pois um nutracêutico efetivamente eficaz. Um suprimento similar à glucosamina é o condroitin sulfato que é obtido de traquéia bovina, cartilagem de tubarão e de moluscos marinhos. É uma prática dos veterinários norte-americanos a receita de ambos nutracêuticos até em mistura reforçada com ascorbato (vitamina C) de manganês (modulador positivo da biossíntese do colágeno), reconhecendo a melhora da mobilidade animal, a redução de dores de juntas e da atitute em geral de cerca de 80% dos animais de estimação que as recebem. Por vezes, estes suplementos são ainda reforçados com MSM (MetilSulfonilMetano), como fonte de enxofre, essencial para a biossíntese dos aminoácidos sulfurados cisteína e metionina.
Outro caso tem a ver com a formação de radicais livres ou espécies reativas do oxigênio (EROs) que sabidamente são responsáveis pelo envelhecimento e morte celular e que decorrem, normalmente, do metabolismo acelerado pelo esforço físico. Os alvos preferenciais das EROs são a membrana plasmática celular (ao nível de sua população de lipídios insaturados), o sistema imunológico e a fidelidade de atuação do aparato genético (estrutura fina do DNA) e portanto as degenerações daí decorrentes. Os protetores nutracêuticos que aqui se aplicam são vitaminas clássicas como a C (ascorbato) e E (tocoferol), além do beta-caroteno e sais de selênio. Pesquisas do Dr. Ronald Schultz, da Madison School of Veterinary Medicine na University of Wisconsin, EUA, demonstram que a deficiência de tocoferol em cães implica na redução de resposta às vacinas e lhes aumenta a sensibilidade frente a infecções.
Alguns produtores de rações fortificadas para animais de estimação como Mike Gurber, da Precise Pet Foods, de Nacogdoches, do Texas, assumem a política de preocupação com a questão da eficácia em função do tempo de armazenamento e de prateleira de seus produtos (antioxidantes como os carotenóides são facilmente destrutíveis frente a fatores condicionantes como a iluminação, calor e pH). Em outras palavras, os ingredientes propositadamente adicionados à rações animais devem permanecer quali e quantitativamente bioativos independentemente do processo de fabricação, de embalagem e estocagem até o consumo definitivo. De qualquer forma, parecem valer os motes: o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil; o que é saudável para o dono, também o é para o animal de estimação.
José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor emérito da UFPR junto ao Departamento de Farmácia, 11.º Prêmio Paranaense em C&T e Pesquisador 1A do CNPq.