Quarta-feira, 6 de maio. Muito cedo na quarta-feira, o médico Silva Mello foi ao hotel Glória, de onde saíram em direção a Santa Teresa para uma caminhada pelas ruas sinuosas e pitorescas deste bairro carioca. Em seu Diário, Einstein registrou esse passeio como tendo ocorrido na ?parte alta da cidade?. Durante essa caminhada, Silva Mello comentou sobre as fofocas na faculdade. A conversa entre os dois deve ter sido muito instigante, pois tendo vivido e clinicado em Berlim, durante muitos anos antes da Primeira Guerra Mundial, Silva Mello falava com grande fluência o alemão. Aliás, a ligação entre os dois teve como elemento catalisador o professor Rudolf Ehrmann, um dos maiores gastroenterologistas alemães, diretor do Hospital Neukolln, onde tratou de uma úlcera estomacal de Einstein. Durante este tratamento, surgiu uma grande amizade entre os dois. Quando Ehrmann soube que Einstein viria ao Brasil, sugeriu que o cientista alemão procurasse o seu assistente em Berlim, o médico e escritor Antônio da Silva Mello de quem Einstein se tornaria amigo, quando da sua passagem pelo Brasil. Esse elo de Silva Mello com Einstein por sua vez estendeu-se a Chateaubriand, de quem o médico brasileiro era compadre por sido escolhido pelo jornalista brasileiro para padrinho do seu casamento com Maria Henriqueta Barroso do Amaral.Em conseqüência desse relacionamento entre os três, eles resolveram, durante a primeira visita, que, quando Einstein estivesse de volta à Europa, ao passar de novo pelo Rio, os três deveriam se reunir num jantar íntimo, durante o qual poderiam discutir os problemas da política européia que já começava a preocupá-los, em particular a unificação dos países europeus em um único – idéia já defendida por Einstein -, com a condição que fossem respeitadas as particularidades de cada estado.
Como relatou Silva Mello, eles se encontraram diversas vezes aqui no Rio:
…sempre na maior intimidade, tendo ocasião de lhe mostrar coisas características da nossa terra, a começar pelo mercado, que foi para ele uma revelação. Gostava imenso de andar a pé, fazer grandes caminhadas e, assim, percorremos muitos pedaços da Tijuca, de Santa Teresa, não raro partindo do Cosme Velho, subindo pelas encostas. Era admirável a sua naturalidade, a sua quase infantil ingenuidade, alegrando-se com coisas das mais simples, um inseto, uma raiz que penetrava numa pedra, uma flor que nunca vira, uma borboleta que passava fugidia, um pássaro que gorjeava no arvoredo. Extasiava-se diante das grandes perspectivas, o mar no fundo da paisagem, as nuvens movendo-se no céu, a mata com as cores cambiantes das suas árvores. Ao chegarmos, certa vez, ao sopé da pedra da Gávea, abrupta, impressionante pela sua majestade, disse-lhe que ele próprio era assim! Como? – indagou.
?Einstein? quer dizer: uma única pedra!
Compreendeu o trocadilho, sorriu ficou vermelho como uma criança. Prosseguimos a excursão, uma volta da Tijuca em automóvel aberto, como ainda existiam muitos naquela época. Viera também Miguel Osório, o mais brilhante dos companheiros. No caminho, mais além, grande número de urubus fazia evoluções no céu, como é do seu hábito, provavelmente orientando-se quanto à carniça. Havia algumas dúzias no ar, bem sobre a estrada, voando quase em círculo. Einstein observou com atenção e indagou o que significava. Expliquei-lhe que se tratava de uma coleção de pássaros adestrados do nosso Jardim Zoológico, que prestavam homenagem às celebridades que os visitavam. Miguel Osório havia comunicado a hora da excursão e lá estavam eles cumprindo a sua missão, reverenciando o grande Einstein. Ele sorriu e até hoje não sei se acreditou. Esqueci-me de lhe perguntar quando o visitei nos Estados Unidos.
Dali seguiram para o restaurante Minho, na região portuária do Rio de Janeiro, onde almoçaram um suculento vatapá a baiana, ?numa taberna do porto melhorada?, onde apreciaram um prato de peixe picante segundo o registro que fez em seu diário.
À tarde, em companhia de uma comissão precedida por Getúlio das Neves e composta por Alfredo Lisboa, Daniel Henninger, Mário Rodrigues de Souza, Izidoro Kohn, dirigiram-se ao Palácio do Catete, para uma visita de cortesia ao presidente Arthur Bernardes, com quem manteve uma rápida conversa de alguns minutos. Arthur Bernardes quis saber se ele faria uma visita a São Paulo, ao que respondeu Einstein que não teria tempo pois tinha muito trabalho em Berlim, sendo portanto impossível prolongar a sua viagem, apesar de apreciar enormemente um país tão maravilhoso. Em seguida, esteve com os ministros Afonso Augusto Moreira Penna Júnior (1879-1968), da Justiça; Miguel Calmon du Pin e Almeida (1879-1935), da Agricultura; e com Alaor Prata Leme Soares (1882-?), prefeito do Rio de Janeiro.
Apesar de não ter sido registrado em seu diário, Einstein não deve ter se sentido muito bem naqueles trajes. (RRFM)