Conteúdo humano na informática

Invasões, fraudes e espionagem digital: no Brasil, oito em cada dez crimes digitais são praticados por jovens. Acontecimentos recentes envolvendo a rede de relacionamentos Orkut ajudaram a cristalizar essa imagem, a de quem pratica crimes virtuais ou cria vírus de computadores é uma pessoa jovem, adolescente, na grande maioria das vezes. Até mesmo aspectos considerados mais ?leves?, como os jogadores compulsivos de games, tendem a ser jovens. E para utilizar esse interesse por tecnologia nasceu em São Paulo a HackerTeen, uma escola feita para quem parece ter nascido diante do computador. O curso, além de provar principalmente aos pais que o computador pode ser uma fonte de renda legal e segura, utiliza o conhecimento dos jovens para projetos sociais.

Guardadas as devidas proporções, é como se fosse uma escola de informática, com a diferença de que o foco não é no conteúdo técnico, e sim, no humano. No curso, onde o jovem precisa provar que pode acompanhar antes de ingressar, os adolescentes são educados para virar empreendedores do mundo tecnológico, com ênfase numa palavrinha que parece escanteada no Brasil de hoje: ética. “Não é um curso de informática. É um curso de formação de jovens”, explica a diretora de responsabilidade social da HackerTeen, Eliane Feliz. O curso, com duração de 18 meses, foi pensado para a garotada de 14 a 19 anos que queira se tornar um profissional qualificado no sistema Linux.

Para ingressar, o aluno faz um teste apenas para mostrar que entende o básico sobre computação. A partir daí, a coisa complica. Para poder entrar na sua conta de e-mail, precisa descobrir a senha, e para fazer isso, é preciso hackear o sistema da escola. “Esse obstáculo seria difícil para uma pessoa mais velha. Mas os alunos jovens tiram de letra”, revela Eliane. O próximo passo é desmistificar o termo “hacker”. “Ao contrário do que todo mundo pensa, hacker não é ?cracker?, o pirata que surrupia dados sigilosos. Hacker é um apaixonado pela informática, necessário para segurança de redes e de dados”, diz a diretora.

É nessa hora que entra a ética. Segundo Eliane, a escola dá o conhecimento e as ferramentas, mas para o jovem é necessário discernimento para saber o que fazer com isso. “Construímos um caminho para que ele empregue isso de maneira a ganhar dinheiro de maneira honesta, fortalecendo o empreendedorismo nesses jovens.” Mas nem por isso a HackerTeen se descuida com o risco potencial que esse conhecimento representa: a escola submete os adolescentes a acompanhamento psicológico constante. “Não queremos nos tornar um curso para ensinar simplesmente a invadir computadores”, justifica a diretora.

As aulas também não são como as habituais. Tudo acontece em salas de bate-papo (chat), onde a turma se reúne com os professores. Quatro em cada cinco aulas são à distância. Quando se encontram no curso, os jovens testam seus conhecimentos ao desvendar os crimes digitais de uma trama virtual. A metodologia baseia-se em desafios, mangás – as histórias em quadrinhos japonesas -, jogos RPG (Role Playing Games) e palestras. Os conhecimentos dos alunos são classificados por faixas: branca, amarela, verde, azul e preta. Para chegar à faixa preta, é preciso ter desde uma postura física correta diante do computador até montar um plano de negócios.

Lado social

A mensalidade disso tudo, claro, não é barata: beira os R$ 500. Além disso, para o jovem participar é preciso possuir um computador à altura das exigências dos donos, via de regra que suporte os games mais avançados. Mas parcerias com empresas de grande porte estão possibilitando a jovens carentes aprenderem mais sobre informática, empreendedorismo e ética como a escola na periferia de São Paulo. “Essa empresas patrocinam salas de informática para as comunidades carentes e dão bolsas para jovens selecionados”, explica Eliane.

Um desses alunos, inclusive, foi responsável pelo novo projeto que a HackerTeen está desenvolvendo. Juntamente com a SaferNet – uma ONG especializada em denúncias de crimes digitais – está preparando uma cartilha que irá auxiliar no combate à pedofilia e aos outros crimes contra os direitos humanos praticados na internet. Os jovens hackers darão o suporte técnico necessário para a atuação da equipe da ONG, atuando na criação e aperfeiçoamento de códigos, tutoriais, tradução de documentos e pesquisa técnica.

“A idéia da cartilha é utilizar a linguagem dos jovens para os jovens”, explica Thiago Tavares, presidente da SaferNet. Ele explica o principal problema quando se fala em pedofilia é a ingenuidade de muitos jovens e a facilidade que a internet fornece para relacionamentos. Eliane conta que muitos criminosos se aproveitam de jogos virtuais, por exemplo, para se aproximar dos jovens. Para ela, a cartilha, sobretudo, será útil aos pais. “Muitos deles acreditam que, por seus filhos estarem dentro de casa, utilizando o computador, estão protegidos, o que é um conceito completamente errado. Isso acontece porque os pais não têm vivência no mundo digital.”

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