COLESTEROL: as facetas de mocinho e vilão metabólicos

Na média, 16% da massa corporal de um homem adulto saudável é gordura. Na mulher, a porcentagem é (imperceptivelmente) maior, 17%. Esta formidável massa é predominantemente triglicerídios ou triacilgliceróis (TAGs) ou seja, a associação química entre a glicerina e os diferentes ácidos graxos, a mais eficiente forma de energia da dieta e do corpo. Uma porcentagem muito menor desta massa lipídica vem da contribuíção dos fosfolipídios (lecitina) e colesterol, este de estrutura química totalmente diferenciada das demais gorduras (figura 1).

De todo colesterol circulante ou associado aos tecidos, cerca de ¾ são biossintetizados pelo próprio corpo (endógeno) e ¼ (exógeno) vem da dieta animal (óleo de saladas, carnes gordas, ovos). A dieta vegetal, isenta de colesterol, agrega assemelhados e competidores de alto valor fisiológico: fitosteróis e estanóis. Níveis sangüíneos de colesterol total, na faixa de 1,5 g / litro são normais (altamente desejáveis) no metabolismo corporal mas acima de 2,0 g / l (hipercolesterolemia) fazem soar o alarme do médico e do paciente. A razão é justificada : fator de risco elevado, pré-indício de enfermidade cardíaca ou circulatória, longevidade ameaçada por acidentes vasculares (trombos; coágulos; infartos, “derrames”).

Destarte, o “mocinho metabólico” que é matriz para a biossíntese de uma série de outras moléculas essenciais, agora por conta dos números alterados para cima, põe a máscara e assume o papel de “vilão”. São alguns derivados imprescindíveis gerados por conta de leves senão sutis alterações químicas na estrutura nativa do colesterol: a) hormônios sexuais masculinos (testosterona, nos testículos) e femininos (estrogênio e progesterona, nos ovários), além de cortisol (“hormônio do estresse” oriundo das glândulas supra-renais de ambos os sexos, que dentre outras ordens promove a formação hepática de glucose às custas de aminoácidos); b) ácidos biliares (biodetergentes essenciais para a absorção de todas gorduras, benéficas ou não); c) vitamina D (essencial para mobilização do cálcio). Reações de modificação similares nos vegetais produzem os fitosteróis (beta-sitosterol, estigmasterol) e os estanóis (sitostanol), que competem e bloqueiam parcialmente a absorção do colesterol exógeno razão pela qual os vegetarianos estão, em média, menos sujeitos aos riscos e males da hipercolesterolemia. Nada mais como alegado da universalidade da biologia, uma larva, pupa e / ou ninfa jamais chegaria a inseto adulto se não fora a intervenção do hormônio da “muda”, a ecdisona. E esta nada mais é do que um colesterol enfeitado com mais algumas hidroxilas periféricas. No plano algo mais macroscópico, em cada célula (unidade funcional de todos tecidos), a respectiva membrana plasmática bicamada, para sua correta estruturação de formato e ação fisiologia (serviço “aduaneiro” de controle de entrada e saída de todas moléculas), conta, além de fosfolipídios, glicolipídios e proteínas, com algum colesterol, também.

Derivado de sucessivas condensações, desoxigenação e anelizações do vinagre ou ácido acético ativado (acetil-coenzima A) mediante uma dúzia de reações enzimáticas sequenciais ou seja um esqueleto quase que à base de carbono e hidrogênio (C27H46O1), o colesterol puro é um sólido que somente funde em torno de 150oC e é praticamente insolúvel em água e portanto também na linfa ou no sangue. Para “viajar” nos líquidos corporais o colesterol então se associa com outras gorduras como os fosfolipídios (lecitina), gorduras neutras (TAGs), seus derivados parciais (DAGs e MAGs, di- e monoglicerídios) e proteínas. Estas últimas, apolipoproteínas, personalizam os complexos “táxis metabólicos” para o colesterol. Dentre quase uma dezena já conhecida, duas são mais comuns: a apo-B e apo-A, respectivamente dominantes nas lipoproteínas de baixa (LDL, Low Density Liproprotein) e HDL (High Density Lipoprotein). As LDLs são popularmente conhecidas como o “mau colesterol” e estão encarregadas de mobilizar o colesterol do fígado (laboratório corporal) para todos os demais tecidos do corpo enquanto as HDLs, o “bom colesterol“, fazem exatamente o revés, ou seja, seqüestro e mobilização de todo colesterol, capturável, de volta ao fígado. É o colesterol das LDLs que progressivamente pode ir se depositando na parede das artérias juntamente com seus sócios, espessando-as, endurecendo-as, entupindo-as (estenose) e lesando-as num quadro patológico final designado de aterosclerose (figura 2).

Num indivíduo normal, TAGs e LDLs se situam, desejavelmente, nas faixas respectivas iguais ou menores do que 1,5 e 1,0 g / litro. Valores acima soam alarmes auxiliares. Valores muito acima e não sujeitos a tratamento médico-farmacêutico já são aceno para algum serviço funerário a longo, médio ou curto prazo, dependendo se os numerais de medida estão ou não associados a outros fatores de risco ou co-enfermidades como hipotireoidismo, diabetes, hipertensão.

No que tange aos instrumentos terapêuticos variados e de eficácia comprovada na redução das alterações hiper-lipidêmicas (TAGs, LDL, colesterol total; elevados) por um fator de 10 até 50%, figuram: A) resinas biliares (colestiramina e colestipol); B) niacina (vitamina B3) ou amida do ácido nicotínico (nada a ver com a nicotina do cigarro!); C) fibratos (gemfibrozil; fenofibrato; clorfibrato), medicamentos sintéticos) e D) estatinas (atorvastatina, compactina, ceravastatina, fluvastatina, lovastatina, pravastina, simvastatina) drogas medicamentosas de geração mais recente, algumas naturais, outras sintéticas, as quais exploram a engenhosidade de alguma semelhança estrutural com o próprio colesterol e seus precursores. Assim, as estatinas inibem seletivamente uma enzima-chave na “cascata” de reações que vão desde o ácido acético até o colesterol acabado: a HMG-Coa redutase. Nenhuma destas receitas, per se ou combinadas, é todavia milagrosa ou sem reações secundárias. Alguns tecidos (fígado; músculos) inflamam e doem, pode haver constipação intestinal ou rubor / ardência epidérmica, dependendo do tipo e dosagem de cada medicamento controlador.

A título de curiosidade final, cabe esclarecer que embora LDLs e HDLs sejam agregados complexos construídos dos mesmos ingredientes metabólicos, sub-existem diferenças notáveis entre elas. Ambas são igualmente “obesas” no que toca ao conteúdo de TGAs (6%), mas as primeiras são mais “metabólicas e perversamente gordas” (9% de colesterol nativo reforçado por mais 40% “dissimulados” na forma de ésteres, ou seja, a hidroxila polar é “tapada” com ácidos graxos). Nas segundas, isto se reduz a apenas a 3% + 21% e o conteúdo em apoproteinas nas HDLs é o dobro (46%) em comparação com as LDLs. Estes detalhes e sobretudo o tipo básico de proteína (apo-B ou Apo-A) é que determinam os respectivos papéis fisiológicos do colesterol no transporte e metabolismo dentro do anabolismo ou catabolismo de lipídios: “vilão” ou “mocinho”.

Nota: se o leitor(a), além da curiosidade, teve alguma preocupação despertada, consulte um clínico, endocrinologista, angiologista ou cardiologista. Cultive o hábito da leitura e o diálogo com todos profissionais afins da área de saúde mas não pratique automedicação. A receita caseira ou social permissível é a dieta. Em boa medida, o corpo guarda proporcionalidade com o apetite ou com o tamanho da boca.

José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é pesquisador 1-A do CNPq, docente e orientador voluntário na Pós-Graduação de Ciências Farmacêuticas da UFPR e recipiente da Comenda Nacional de Mérito Farmacêutico do CFF-Brasília-DF.

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