Centenário do ano miraculoso de Einstein

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão

Para os conhecedores da história da ciência, a expressão "ano miraculoso" está associada ao ano de 1666, durante o qual Isaac Newton teria estabelecido a maior parte dos fundamentos da Física e da Matemática que revolucionaram a ciência do século XVII. No entanto, nada mais justo que usar a mesma expressão com relação ao ano de 1905, quando Einstein publicou os cinco artigos que iriam revolucionar a ciência no século XX. Na realidade, existe uma enorme diferença entre os dois: enquanto Newton estabeleceu sem publicá-los de forma definitiva – as idéias e os conceitos que ocasionaram as bases de sua versão de cálculo, de sua teoria das cores e da teoria da gravitação, Einstein redigiu e publicou seus cinco valiosos artigos na revista Annalen der Physik.

Ao contrário de Einstein, as ilações de Newton em 1666 só foram publicadas muitos anos mais tarde. O ano de 1905 – annus mirabilis de Einstein -, marca o momento de sua emergência junto à comunidade dos físicos. No primeiro artigo, Einstein ocupou-se das dimensões moleculares e no segundo do movimento browniano. Os dois outros que se seguem referem-se à teoria da relatividade restrita. No terceiro artigo é abolida a noção de tempo absoluto e no quarto artigo foi acrescentada uma nota breve na qual se deduz a famosa equação E=mc2, que estabeleceu a equivalência entre a energia e a matéria. O último artigo, o quinto, que o próprio Einstein considerou como o único realmente "revolucionário", é um retorno à idéia newtoniana segundo a qual a luz é constituída por partículas. Ao desafiar a teoria ondulatória da luz, sugerindo que ela poderia ser considerada como um conjunto de ondas e partículas, Einstein abriu a Física para uma nova teoria, a da mecânica quântica. Foi com as idéias desse artigo que Einstein ganhou o prêmio Nobel de Física, em 1921.

No início do século XX, a Física atravessou uma grave crise: duas teorias que permitiam explicar os fenômenos físicos pareciam incompatíveis. A mecânica ciência do movimento – baseava-se no princípio da relatividade clássica anunciado por Galileu. Nada era absolutamente imóvel; tudo dependia do referencial no qual o observador se encontrava situado. Ora, a teoria do eletromagnetismo elaborada por Maxwell em meados do século XIX, fundamentada em resultados experimentais, descrevia a luz como uma onda que se propagava num meio hipotético designado de éter. Todavia, nenhuma descrição física do éter podia ser encontrada. O que havia de mais seguro era o da imobilidade absoluta. Essa certeza se revelou em total contradição com o princípio da relatividade. Uma outra contradição que deixou os físicos desnorteados: a matéria é constituída de átomos, ela seria necessariamente contínua segundo Maxwell. A situação impunha uma questão: como qualquer coisa descontínua (hipótese de que a luz fosse ondulatória, ou seja, se propagasse por ondas), poderia produzir um fenômeno contínuo? Nenhum dos físicos da época tinha uma resposta para essa questão. Em conseqüência, a física se encontrava em um impasse.

Foi nesse momento, no início do século, mais precisamente há 100 anos atrás, que um jovem físico alemão de 26 anos, Albert Einstein, publicou dois artigos, nos Annalen der Physik, que se revelaram revolucionários. O primeiro apareceu em março de 1905. Ele descrevia como a energia de um corpo quente pode se transformar em energia luminosa. Essa transformação seria possível se considerasse a luz como constituída de "partículas" que Einstein denominou "quanta de luz" (mais tarde, denominados fótons). A partir dessa hipótese, a luz não era contínua nem descontínua, mas as duas coisas ao mesmo tempo. Einstein não sabia em que circunstâncias a luz se revelava contínua ou descontínua, mas sua hipótese lhe pareceu a mais exata. O segundo artigo apareceu dois meses mais tarde, em junho. Ele propunha resolver o problema relativo a existência do éter, cuja presença estava totalmente em contradição com o princípio da relatividade. Para Einstein, o éter não poderia existir. O único dado que permitia descrever a luz era a sua velocidade c constante qualquer que fosse a velocidade do observador. Ele anunciou, então, a sua teoria da relatividade que unificava as teorias da matéria e da luz. A matéria como a luz submetida ao princípio da relatividade e a simultaneidade de dois eventos dependiam do observador. Em conseqüência, o tempo não era mais um conceito absoluto, como na ocorria na física newtoniana, mas, ao contrário, também relativo.

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é pesquisador-titutar do Museu de Astronomia e Ciências Afins, no qual foi fundador e primeiro diretor, autor de mais de 70 livros, entre outros, do "Explicando a Teoria da Relatividade". Consulte a homepage: www.ronaldomourao.com

Demonstrando a célebre fórmula

Em setembro de 1905, como já vimos, Einstein adicionou um pós-escrito ao seu artigo e demonstrou a célebre fórmula E = mc2, introduzindo a idéia de uma equivalência entre a matéria e a energia. Essa equação seria a origem do desenvolvimento da utilização da energia nuclear para fins pacíficos e militares.

Todavia, Einstein não se limitou a essas idéias.

A partir de 1907, ele começou a elaborar a sua teoria da relatividade geral, que permitiria explicar o fenômeno da queda dos corpos. Mas, como precisasse de maiores conhecimentos em Matemática moderna, resolveu deixar o Departamento de Patentes, em Berna, por um posto universitário, em princípio em Berna, depois em Praga, em 1911. Em 1912, Einstein é nomeado professor de Matemática superior na Escola Politécnica de Zurique, onde encontra um velho colega de escola, Marcel Grossmann, que irá ajudá-lo nas soluções das questões matemáticas que lhe permitiriam aperfeiçoar sua nova teoria. Lamentavelmente, um erro conduziu-o a um impasse. Gastou três anos para solucioná-lo. Uma vez corrigido, a teoria da relatividade geral foi concluída no fim de 1915.

O desenvolvimento dessa teoria constitui um marco tão importante na História da Ciência, que o físico norte-americano John Stachel, professor de física do Centro de Estudos Einsteinianos da Universidade de Boston e editor dos The Collected Papers of Albert Einstein, em entrevista a Folha de S. Paulo, recentemente, considerou que o ano 1915 tenha sido, talvez, mais importante do que o de 1905.

Na relatividade geral, a força de atração de Newton é substituída por uma deformação do espaço ao redor dos corpos, assim como uma bola maciça de ferro colocada sobre uma camada espessa de espuma de borracha deforma a sua superfície provocando o aparecimento de uma depressão que altera o espaço ao redor da esfera. Isso explica por que todos os corpos, quaisquer que sejam suas massas, situados nas vizinhanças da esfera, caem com a mesma aceleração. Na realidade, eles seguem a linha de maior inclinação na depressão criada no espaço. Além do mais, Einstein anunciou o fato de que o espaço e o tempo não podem existir sem a matéria.

Como seria possível verificar essa teoria? Supondo que um corpo deforma o espaço ao redor dele, concluí Einstein que os raios de uma estrela situada atrás do Sol deveriam sofrer um desvio provocado pela presença da massa solar. Em conseqüência, a imagem da estrela não se apresentaria nas fotografias, obtidas durante o eclipse total do Sol, mais onde ela deveria estar. Preocupado com a confirmação da sua teoria, Einstein apelou para os astrônomos que observassem a posição das estrelas antes, durante e após um eclipse, quando as estrelas visíveis, durante o eclipse total do Sol, apresentariam o desvio que deveria coincidir com o previsto. Na época, o astrofísico inglês Arthur Eddington, um dos maiores entusiastas pela teoria da relatividade, compreendendo a importância que seria uma confirmação da teoria de Einstein, esteve no Brasil, na cidade de Passa Quatro, para observar o eclipse total do Sol de 1912. Infelizmente a chuva torrencial que caiu no dia do eclipse impediu que fosse observado. Eddington não desistiu, sabendo da ocorrência de um eclipse total do Sol, em 1919, organizou duas expedições uma enviada para a ilha de Príncipe, nas costas da África, e a outra para a cidade cearense de Sobral. Eddington deslocou-se para a ilha de Príncipe e enviou para o Brasil dois dos seus melhores astrônomos. Talvez não tenha vindo ao Brasil, porque teria guardado uma triste recordação do eclipse de 1912.

Felizmente o céu abriu nos dois sítios, sendo que em Sobral obtiveram-se os melhores resultados. Uma vez reduzida às observações nestes dois sítios: a comprovação por um inglês da teoria de um alemão foi aproveitada pela mídia, na época. para mostrar aos olhos do mundo que a ciência é um símbolo de paz e de reconciliação. Havíamos saído da Primeira Guerra Mundial. Infelizmente, uma ilusão que não duraria muito tempo pela seqüência dos fatos posteriores. (RRFM)

A glória da confirmação da teoria

A confirmação de sua teoria transformou Einstein em uma glória. A sua popularidade lhe permitiria retomar as suas atividades políticas e ajudá-lo a promover o seu ideal de paz e lutar contra os nazistas. Ele defendeu a causa do povo judeu, lutou em favor de uma universidade de alto nível na Palestina, mostrando-se pacifista e a favor de um governo mundial que permitisse rapidamente dominar as loucuras dos extremistas. Ao retornar de uma viagem aos EUA, por ocasião da subida ao poder de Hitler em 1933, jamais retornou a Berlim.

Discordou da jovem geração dos físicos Heisenberg, Pauli e, em especial, de Bohr, com relação à mecânica quântica. Com efeito, apesar de Einstein ter contribuído para estabelecer as bases de uma nova teoria, a quântica, ele não a aceitou. Essa teoria impedia toda representação real das partículas físicas elementares como os elétrons, prótons e etc. Elas só poderiam ser descritas de acordo com uma nova visão probabilística, segundo a qual as partículas fundamentais descrevem uma certa trajetória, assumem uma certa posição e uma certa velocidade que dependem de uma probabilidade. Recusava a aceitar os resultados de uma experiência que não podia ser única e prevista com precisão. Para ele a mecânica quântica, se não fosse imprecisa, era pelo menos incompleta. Do ponto de vista dos físicos quânticos, Einstein revelou-se o último dos físicos clássicos.

Em 1945, já naturalizado norte-americano havia 5 anos, ele escreveu ao presidente Roosevelt solicitando que os EUA deveriam desenvolver um programa de bomba nuclear antes que a Alemanha o fizesse. Depois do lançamento de duas bombas em Hiroshima e Nagasaki, Einstein iria lamentar profundamente ter escrito aquela missiva.

No fim da sua vida, lutaria contra o macarthismo, caracterizado pela perseguição a pessoas acusadas de ser simpatizantes do comunismo e de realizar atividades antinorte-americanas. Um ano antes da sua morte, defendeu o físico Robert Oppenheimer da acusação de traidor, quando então, com o filósofo e matemático inglês Bertrand Russell e outros intelectuais, subscreveu um manifesto contra o uso das armas nucleares.

Na semana antes de sua morte, em 18 de abril de 1955, Einstein escreveu em um manuscrito inacabado a sua última frase: "As paixões políticas, onipresentes, reclamam as suas vítimas". (RRFM)

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