Camundongos transgênicos

Uma publicação clássica (1) descreveu a influência do gen noggin na morfogênese das cartilagens e na formação das juntas do esqueleto de mamíferos. Na gíria inglesa, noggin significa cabeça. Outra investigação havia apontado que a injeção de RNAm (ácido ribonucléico mensageiro, o “diretor” da biossíntese protéica) deste gen em embriões de rãs levava a animais com cabeças de tamanho exagerado. Mais especificamente o gen está também implicado no desenvolvimento normal dos nervos e do cérebro e tem a capacidade (já expresso sob a forma do peptídio NOG) de se ligar e inativar a família das BMP (proteínas morfogenéticas dos ossos).

Cientistas da USC – University of South Califórnia (Cheng-Ming Chuong et al, Keck School of Medicine; Lori Oliwestein, 2004) exploraram a superexpressão do referido gen ao nível de pele com vistas a camundongos transgênicos que se caracterizaram por excesso de pêlos e … ausência de unhas. Efetivamente tal animal exibiu um número aumentado de folículos pilosos como resultado da manipulação genética. O incremento foi estatisticamente notável (80%) e a pelagem tornou-se muito mais espessa como resultado direto disto. Outra particularidade interessante foi o número de bigodes, já que mais de um pêlo passou a originar-se de cada folículo. As mudanças macroscópicas não ficaram por aí.

As glândulas de Meibomian (as quais produzem o óleo que lubrifica as pálpebras) também se converteram em folículos com pequeninos pêlos apontando na direção da córnea. Ainda mais, as glândulas sudoríparas das patas também se cobriram de folículos e pêlos emergentes enquanto paralelamente faltavam algumas unhas. Outro detalhe chamativo de muita atenção foi o tamanho aumentado da genitália externa dos camundongos, confirmando que o gen noggin também regula o desenvolvimento do pênis e clitóris. Contrariamente ao camundongo normal, cujo pênis tem vários microapêndices designados de “espinhas pilosas”, aquele do transgênico é muito mais liso e daí a indagação se isto iria favorecer ou dificultar a sensação e capacidade de cópula ou reprodução.

Enquanto a perda de unhas ou crescimento anormal de pêlos nas pálpebras foram interpretadas como evoluções negativas (patologias associadas à manipulação genética ou transgenia), a espessura da pelagem (considerando locais de rigoroso inverno) e mesmo o aumento da genitália podem ser interpretados como potencialmente benéficos. Há que se considerar que um homem excessivamente coberto de pêlos padeceria de restrições no ambiente social onde vive, mas o mesmo efeito num urso polar (ou em um mamute de milhares de anos atrás) seria definitivamente vantajoso. Segundo o cientista Chuong, os conceitos de “normal” e “anormal” podem e devem ser relativizados. Ele igualmente sustenta o conceito de que, na era da engenharia de tecidos, o homem poderá estar interessado na modulação do número, tamanho ou estado de diferenciação de “alguns” órgãos ectodérmicos em animais (e humanos) por conta de razões de ordem médica, agrícola ou industrial. O começo (camundongos transgênicos) se lhe parece um modelo animal válido e fonte tissular para estas análises e avaliações.

Difícil de não se projetar para “benefício” humano os achados aqui sumariamente relatados. Por duas razões, uma delas a potencial correção da calvície (mediante implante parcial ou total de couro cabeludo transgênico obtido por cultura de tecido “in vitro” manipulando o gen noggin?) com a especulação de que quantos anos (décadas?) far-se-ão ainda necessários para que estas “necessidades” do homem sejam prontamente satisfeitas pela ciência, senão imortalizando-o pelo menos convertendo-o em Narciso de 2 centenários, mas plenamente funcional, inclusive com uma genitália maior.

A mesma reflexão nos traz a imagem recentíssima dos plantios paraguaios de soja sob a inclemência da seca que assola boa parte do território tupi-guarani. De um lado, a soja convencional ainda verde e passível de alguma recuperação se os céus despejarem alguma água nas próximas 2 semanas. Do outro, a soja transgênica (plantada exatamente na mesma época da convencional) já completamente ressecada. Pergunta-se: a transgenia da soja não fora feita em um único gen para garantir nada mais nada menos que a resistência a um determinado herbicida (glifosato)? Pergunta-se: que mais ainda esconde o camundongo transgênico ? E se o resto surgir apenas na prole?

E apesar da crueza das perguntas, a ciência não vai (e nem pode) parar. Daí a seriedade e conseqüências da fraude coreana com células-tronco humanas.

(1) Brunet, L.J. at al (1998) , Noggin, cartilage morphogenesis, and joint formation in the mammalian skeleton. Scince 280 : 1455-1457.

José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor emérito da UFPR junto ao Departamento de Farmácia, pesquisador do CNPq e prêmio paranaense em C&T.

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