Brasil deve colher safra recorde de cana

Os mais que tataranetos de Martim Afonso de Souza, quem desembarcou as primeiras mudas de cana no Brasil, aí por 1530, na Capitania de S. Vicente (SP), espantar-se-iam diante da dimensão de um canavial paulista. A cana-de-açúcar, concluída a safra-ano 2006/2007, atingiu a marca histórica de 475 milhões de toneladas e a partir dos 6,6 milhões de ha plantados em SP, PR, MG, MS, PE e os menores produtores ?explodirão? em mais de 520 milhões de toneladas na safra 2007/2008. Coisa de 20 bilhões de litros de etanol + 31 milhões de toneladas de açúcar.

O setor auto-suficientemente fez decolar seu próprio PAC(A) – Programa de Aceleração da Cana de Açúcar já que toda safra nacional de grãos, no mesmo período, deverá somar apenas 131 milhões de toneladas (23% deste total aqui no PR; Dinheiro Rural, junho-07). O venezuelano José Luis Cordeiro (FIEP-2006, Cenários Energéticos-2020) relembra o xeque Zaki Yamani, ex-ministro do petróleo da Arábia-Saudita: ?A Idade de Pedra acabou e não por falta de pedras; a Idade do Petróleo vai acabar em breve, e não por falta de petróleo?. Seu filho completaria: por abundância de etanol e biodiesel.

A cana tem vários enfoques. O mais antigo, de ranço escravocrata, é mesmo assim doce e inebriante: caldo-de-cana, rapadura, paçoca e cachaça. O mais moderno é a redenção ante às finitas e poluentes matrizes combustíveis derivadas do petróleo (gasolina, diesel, querosene e óleo combustível) já que o etanol biocombustível (a) é só virtude e se quimicamente agregado aos ácidos graxos dos óleos vegetais e gorduras animais, dá, de quebra, o biodiesel (b) que amaina os defeitos ambientais do diesel e em futuro próximo, irá substituí-lo em parte ou no todo. Para tanto, basta conduzir uma fermentação alcoólica do caldo de cana rico em sacarose (ca. 18%), além de uns 2% de ?açucares livres prontos? ou seja glucose + frutose. A sacarose em si, não é qualquer óbice para a imediata fermentação, pois o vetor biotecnológico usado, a levedura de panificação ou cervejaria Saccharomyces cerevisiae, é dotada de invertase, a enzima que prontamente desdobra a sacarose.

(a)

sacarose -: glucose + frutose -: (S. cerevisiae) -: etanol + anidrido carbônico

(b)

óleos ou gorduras (ácidos graxos) + etanol -: (soda) -: biodiesel + glicerina

Quando no seio da agrobiotecnologia das fermentações se fala em produzir etanol de sacarose (cana ou beterraba) em comparação com o amido (mandioca ou batata) ou ainda com q ligno{hemi} celulose (bagaço de cana ou casca de soja) é comparar, respectivamente, o destrinchamento de um peito de peru com aqueles da capivara matreira ou do carapacento hipopótamo. Mas não é por isto que as tecnologias da Khosla Ventures (na Geórgia, EUA; lascas de Pinus) ou da Dedini, Petrobras e/ou Votorantin (aqui, bagaço de cana) vão deixar incólume ou menos aproveitado o bagaço nacional e outros ?hipopótamos? energéticos cujo destino mais comum e atual é a combustão em co-geradores de eletricidade anexos às usinas. Para tal existem pré-tratamentos dos (sub)produtos agrícolas (J.D.Fontana, Patente PI – 0-2001-0 – ?Hidrólise fosfórica de amidos?, Rev. Propr. Rev. Propr. Ind. – INPI n.º 1617, pag. 132, 02-janeiro-2002; J.D. Fontana et al. (1984) ?Aqueous phosphoric acid hydrolysis of hemicelluloses from sugarcane and sorghum bagasses?, Biotech. Bioeng. Symp. 14, pag. 175-186) com ácidos inovadores até para aumentar a digestibilidade da celulose no rúmen bovino (F.C. Deschamps, L.P. Ramos and J.D. Fontana (1996) Appl. Biochem. Biotechnol, 57/58, 171-182) e/ou com uma bateria de enzimas já industrializadas (hidrolases como amilases, xilanases e celulases; lignolíticas redox).

Para uma melhor compreensão da riqueza embutida na cana-de-açucar é preciso examinar o ?totum? químico deste vegetal (ver quadro), que é dominantemente um elenco de carboidratos.

O dito acima é do conhecimento de grandes homens de negócio com faro para (mais) dinheiro. Por exemplo, George Soros, aterrissando diretamente no canavial nacional. O escritório mundial da ?neo-Opep do etanol? é aqui e isto não é questionável pelos pálidos e limitados canaviais da Flórida, Louisiana, Texas, Porto Rico e Havaí. Para o contra-argumento forte do milho (que ?também? é etanologênico) e sua altíssima produtividade no hemisfério norte, temos o ?superávit? de terras agriculturáveis no hemisfério sul, além da benção tropical de mais intensa insolação pró-fotossintética. A disponibilidade farta de água fica de sobremesa, já na Terra ou como nos céus, dada a copiosa pluviometria brasileira. Todavia, a prudência é recomendável: com o etanol e biodiesel no trânsito energético tal qual com o quiabo com tomate no trânsito intestinal.

José Domingos Fontana é professor emérito da UFPR, pesquisador 1A do CNPq (1996-2006), prêmio paranaense em C&T (1996) e fundador do LQBB-UFPR (Laboratório de Quimio/Biotecnologia de Biomassa; 1982).

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