O projeto Sirius prevê a construção de uma nova fonte de luz síncrotron no Brasil até meados de 2018. Em entrevista à Agência Brasil, o diretor do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), responsável pelo projeto, Antônio José Roque da Silva, explica que o funcionamento do acelerador de partículas de quarta geração é um salto para a ciência brasileira, com inúmeras aplicações em áreas como biotecnologia, nanotecnologia, paleontologia e farmácia.
“É uma área da ciência de larga escala, com um grande laboratório e infraestrutura, que permite ao Brasil dialogar com os outros países em pé de igualdade, uma coisa rara na ciência brasileira,” disse.
A Suécia começou antes do Brasil a construção de um acelerador de quarta geração e vai ser o primeiro país a utilizar a nova técnica. Segundo Roque, a tecnologia do Sirius é mais avançada. “Estamos à frente dos Estados Unidos e dos países europeus”.
“Com a tecnologia disponível hoje, o equipamento nacional será o mais moderno do mundo em luz síncroton – ferramenta usada para estudar qualquer tipo de material no nível atômico e molecular. “Ele será dez vezes melhor que as máquinas que operam hoje no mundo, de forma pioneira. É realmente uma ferramenta incrível para o Brasil”, garante o diretor do LNSN.
Enquanto os protótipos finais de componentes da máquina de 518,4 metros de circunferência são testados, o novo prédio de 68.000 metros quadrados, que vai abrigar o acelerador e 40 estações de trabalho, está sendo construído em Campinas, ao lado do atual LNLS. Segundo o Laboratório, muito foi feito desde o lançamento da pedra fundamental, em dezembro de 2014. Etapas complicadas da obra, que exigia uma estabilidade mecânica e térmica maior que as construções comuns, foram superadas e o cronograma está sendo cumprido. O Sirius vai fazer parte do complexo do Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais (CNPEM), organização social ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, da qual o LNLS faz parte.
Além de ser um dos maiores, o Sirius também é um dos projetos mais caros da história da ciência nacional, orçado em R$ 1,5 bilhão. A maior parte do projeto será custeada pelo governo federal e, de acordo com a assessoria de imprensa do ministério, está com o orçamento garantido pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Segundo a assessoria, o ministro Aldo Rebelo considera o Sirius prioritário para o país e por isso conversou com a presidenta Dilma Rousseff para garantir o andamento do projeto antes dos cortes do orçamento da pasta anunciado no final de maio.
O acelerador é um grande equipamento que faz com que os elétrons circulem em velocidade próxima da luz, dentro de uma espécie de tubo chamado anel de armazenamento. Cada vez que a trajetória desses elétrons é desviada com o uso de ímãs, eles emitem raios X, ultravioleta e infravermelho, a chamada luz síncroton. A luz emitida é uma radiação de alto brilho, altamente focalizada. Essa luz é coletada pelas chamadas linhas de luz, que funcionam de forma parecida com microscópios. “O pesquisador seleciona a faixa de frequência de interesse, o raio X, por exemplo, e incide sobre materiais, orgânicos e inorgânicos, como sementes, plásticos ou proteínas. Com a luz síncroton é possível estudar a estrutura da matéria no nível de átomos e moléculas, verificando a composição e geometria delas”, explica o responsável pelo projeto.
A construção do primeiro e único acelerador de elétrons em operação da América Latina, o UVX, teve início na década de 80. José Roque disse que naquela época não havia conhecimento nenhum sobre o assunto no país.
“Em vez de importar e ficar dependente, desenvolvemos recursos humanos e no prazo de 30 anos saímos do zero, para chegar no melhor que h&aacut,e;.” Segundo Roque, 85% do acelerador UVX, aberto aos pesquisadores em 1997, foi construído no próprio LNLS, permitindo que os cientistas dominassem todo o processo. “Quando se constrói pela primeira vez é difícil estar na fronteira, por isso o UVX é chamado de segunda geração. Um dos problemas do acelerador é que a energia dos raios emitidos é relativamente baixa, o que limita o tamanho do feixe e não permite todos os estudos, por isso é preciso avançar.”
O pesquisador afirma que com a nova fonte de luz síncroton, mais potente, será possível usar técnicas recentes como a tomografia de células, causando impacto relevante nas áreas de biotecnologia, nanotecnologia e análise de materiais. A tecnologia do Sirius é toda nacional e a maior parte dos componentes estão sendo construídos no Brasil para estimular a indústria nacional.
“Os mais de mil ímãs necessários para o Sirius, extremamente sofisticados e de alta qualidade de fabricação, estão sendo produzidos como resultado de uma parceria de mais de dois anos com uma empresa de Santa Catarina. Poucos lugares do mundo conseguem produzir”, afirma Roque, acrescentando que parte dos componentes já está pronta e a expectativa é começar a montagem do Sirius em setembro de 2017 que deve levar cerca de nove meses.
Vale ressaltar que mesmo com limitações, o acelerador UVX é amplamente usado por cientistas. Foram mais de 400 pesquisas em 2014. Desde a sua abertura para o público acadêmico e empresarial, em 1997, o LNLS recebe mais de mil pesquisadores por ano que desenvolvem projetos usando as 17 estações de trabalho disponíveis, chamadas de linhas de luz. Segundo o diretor, em média, “40% dos pesquisadores são de São Paulo, 40% de outros estados brasileiros e 20% de outros países, principalmente da América Latina”. Mesmo após a chegada do Sirius, a ideia é que o UVX continue operando.
“Hoje qualquer pesquisador do Brasil ou do mundo pode submeter propostas de trabalho para utilização do equipamento UVX. São duas chamadas por ano e os estudos são escolhidos por comitês externos que julgam a pertinência e a qualidade dos projetos. Com o Sirius vai ser a mesma coisa.” Quando finalizado, o Sirius vai oferecer mais 40 faixas de luz no LNLS, ainda mais eficientes. “É um marco porque coloca o Brasil em um diálogo de primeira linha e isso pode ter impacto na vinda de pesquisadores de ponta de outros locais do mundo para o país”, avalia o diretor do laboratório.