A adoção de políticas públicas que priorizem o incremento de fontes renováveis de energia é um caminho inexorável em todo o mundo. A avaliação é do coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético da Unicamp (Nipe), professor Ennio Peres da Silva, para quem a participação no mercado dos combustíveis fósseis tende a ser cada vez menor. A mudança, já em curso, está ancorada na diversificação da matriz energética. Na opinião do docente, que também coordena na Unicamp o projeto do primeiro veículo elétrico com célula a combustível do Brasil, embora seja prematuro fazer projeções, os problemas de ordem ambiental vão apressar as mudanças. “Está fora de cogitação repetirmos neste século o que fizemos no século passado, sobretudo no que diz respeito à queima de combustíveis fósseis”.

Neste cenário, avalia o pesquisador, o país tem todas as condições de se sobressair, apesar das crises causadas pela falta de planejamento. “O Brasil é a Arábia Saudita das fontes renováveis”, compara o docente, titular do Instituto de Física “Gleb Wataghin”. O que pode parecer exagero encontra explicações na história e na inovação tecnológica. Peres lembra que, no âmbito das fontes renováveis, o país tem dois exemplos clássicos de matrizes consolidadas. O primeiro, na área da hidráulica, é a aposta feita a partir da década de 1920 nas hidroelétricas, responsáveis hoje por 95% da energia elétrica gerada no país. O outro, fruto de um projeto formulado e executado no Brasil, é o Pró-Álcool, que colocou o país na dianteira das pesquisas relacionadas à biomassa. Além do uso automotivo do combustível líquido (etanol), o programa rendeu pesquisas de ponta no que diz respeito à utilização do bagaço da cana-de-açúcar como fonte energética. “Enquanto no restante do mundo a utilização de biomassas é vista como fonte alternativa, o Brasil já tem vários programas executados”, diz o professor.

Outra alternativa para o País em curto e médio prazos é o biodiesel, que vem sendo usado em pequena escala na Europa e nos Estados Unidos. Sua grande vantagem, esclarece Peres, é o ganho social resultante do incremento de atividades agrícolas relacionadas à geração de óleos vegetais. “As lavouras de mamona e de dendê, por exemplo, poderiam empregar muita gente no Nordeste. Estamos estudando a implantação de projetos nesse sentido”. No aspecto ambiental, o biodiesel emite quantidades menores de enxofre, além de “devolver” à atmosfera o gás carbônico retirado das plantas, ao invés de acrescentar, como ocorre com o diesel. “Uma das desvantagens é o preço. O diesel é bem mais barato”, mensura.

Segundo o professor, uma fonte alternativa que tem obtido excelentes resultados é a energia eólica. Na Europa, por exemplo, é a que tem apresentado o maior incremento em termos de megawatts instalados por ano, principalmente devido aos reduzidos impactos ambientais. “Ela tem um custo ainda elevado, mas programas de incentivos fizeram com que os preços dessas máquinas caíssem significativamente. Houve ganho tecnológico”. Os programas estão sendo implantados maciçamente na Alemanha, Holanda, Noruega e também nos Estados Unidos. Alguns países da Comunidade Européia já dispõem de 5% de sua energia gerada por eólica. A meta, para o médio prazo, é de 10%. No Brasil, entretanto, os programas ainda engatinham e estão concentrados sobretudo no Nordeste e em algumas estações em Minas e no Rio Grande do Sul.

A exemplo da eólica, outra fonte alternativa que vem sendo usada pontualmente no país é a solar fotovoltaica. Apesar de cara, mostra-se competitiva em algumas situações. “Se você, por exemplo, for estender uma linha de transmissão por quilômetros para atender poucas pessoas, é melhor instalar painéis fotovoltaicos”, sugere o pesquisador, acrescentando que a fonte tem sido utilizada também em nichos de tecnologia, principalmente em antenas de transmissão de celulares e em tronco de microondas.

O hidrogênio, com o qual trabalha o especialista, é uma alternativa para longo prazo e poderia ser produzido de várias maneiras, tanto que países europeus e os Estados Unidos estão investindo pesadamente na opção. Peres explica que, até pouco tempo atrás, discutia-se se o carro a hidrogênio teria tanques com este gás ou um reformador de combustível a bordo. “Você tinha ganhos de um lado e de outro. Se o seu carro usa o hidrogênio pressurizado, você não tem de ter a bordo o reformador para gerar o hidrogênio; o problema é que você não dispõe de rede de distribuição de hidrogênio. E o hidrogênio no carro é mais perigoso, além de a autonomia ser menor. Se você colocasse o transformador a bordo, você podia usar a rede convencional de postos, só que o seu carro seria mais caro. Por outro lado, teria a vantagem de ele ser mais seguro, por tratar-se de um carro convencional”, afirma.

Vega II

O pesquisador conta que optou pelo segundo tipo no desenvolvimento do Vega II, primeiro veículo do gênero no país, justamente pelo fato de se poder usar o etanol disponível nos postos. “Depois nós vamos tirar o tanque e colocar reformadores. É esta a nossa estratégia”. A opção difere da adotada pelos Estados Unidos, que decidiram pela geração de hidrogênio a partir de um combustível fóssil. Na opinião do professor, a decisão americana passa pela questão estratégica. “Depois de Kyoto, eles estão partindo para o “seqüestro? do gás carbônico, ou seja, se uso as fósseis mas não emito gás carbônico, estou atingindo as metas, não por aquele meio, mas por outro. Os EUA investem hoje significativamente em sistemas deste tipo”. Essa política, nota o docente, é oposta à escolhida pela Comunidade Européia, que está mais interessada em desenvolver outras tecnologias, sobretudo renováveis, e reduzir o consumo de derivados de petróleo.

Outro fator que pesa na adoção de políticas diferenciadas passa, na opinião do especialista, pela estreita ligação de Bush com as empresas petrolíferas, não por acaso as financiadoras da campanha política do presidente norte-americano. “Isso explica o fato de os EUA não ratificarem o Protocolo de Kyoto”, afirma, lembrando que essas corporações dominam o mercado mundial de petróleo. “Eles não têm o tanto de petróleo que consomem, mas quem vende o produto são as próprias empresas americanas”.

De resto, são justamente as ingerências de natureza política que tiram o otimismo do professor quando ele é indagado quanto às perspectivas das novas fontes energéticas. No campo doméstico, por exemplo, Peres se diz otimista quanto aos nossos recursos naturais, mas alerta para um problema recorrente quando se fala em políticas públicas. “O Brasil é riquíssimo, mas nossas instituições públicas e privadas têm uma capacidade imensa de fazer besteiras. Cito dois exemplos recentes: a crise do apagão de 2001, que era perfeitamente evitável; a outra foi a construção de termoelétricas a gás no Nordeste sem que tivéssemos gás para fazê-las funcionar”.

Por outro lado, o pesquisador destaca a importância e a qualidade dos trabalhos desenvolvidos pela Universidade pública, em especial pela Unicamp. Na condição de coordenador do Nipe, lembra que os pesquisadores vêm abordando a questão energética como planejadores, apostando numa visão sistêmica. “Temos professores de várias unidades trabalhando em todas as direções, priorizando uma abordagem multidisciplinar. Aprendemos que a diversificação é fundamental”, conclui.

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