Dentro de uma faceta menor das múltiplas interações que permeiam entre os governos brasileiro e alemão está o financiamento e andamento de um convênio de colaboração na área de Biotecnologia patrocinado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). O objetivo maior é o intercâmbio de recursos humanos universitários. Ao todo foram selecionados 15 projetos, infelizmente nenhum do Estado do Paraná.
Fomos chamados pelo MCT para atuar no julgamento dos primeiros relatórios gerados pelos coordenadores de projetos e suas equipes binacionais. Predominância de cariocas (9), paulistas (3), catarinenses (2) e gaúchos (1). Como o espaço aqui não permite cobrir todas propostas em execução, fixamos, pelo falho critério de sensibilização pessoal, em umas poucas delas, a partir do apreendido na demorada argüição à qual nos dedicamos e dentro da diretriz de seriedade (e não de tertúlia acadêmica) que deve governar este tipo de evento.
A mais impressionante, num momento crítico do redesenho da matriz energética brasileira no seu segmento combustível e em que, a commodity-de-ouro soja poderá em parte ser sacrificada em seu conceito de colheita-alimento para atender a demanda de matéria-prima oleaginosa para o fabrico de biodiesel, tem a ver com um notável avanço conseguido com o girassol e sua notória variabilidade genética. Um pró-ativo pesquisador gaúcho logrou mediante uma metodologia que ficaria a meio caminho entre a genética clássica e a mais moderna engenharia genética e seus truques abrigados dentro da Biologia Molecular, qual seja, a geração de espécie de “minicamisinhas” que confinam até mesmo um único cromossoma (óbvia e exatamente aquele que interessa dentre uma população de dezenas de outros), transferir um gen de resistência a uma terrível peste fúngica. O recipiente de tal gen foi o girassol superprodutivo que faz a alegria agroeconômica da Rússia, Argentina e EUA (Heliantus annus), mas que é presa fácil de alguns fungos e o doador foi o girassol de jardim que mais parece uma simples dália mais vitaminada mas que é resistente a tais pragas fúngicas. O gen incorporado (talvez mais do que um, pois o carreador de transferência foi um cromosoma inteiro; não há maiores detalhes para não atrapalhar o pedido de patente; razão pela qual também sacrificamos o nome completo do competente pelotense em questão) está se revelando bem integrado no genoma receptor e se mantém estável (as chances de sucesso eram algo remotas do ponto de vista meramente bioestatístico). Já há sementes da 2.ª progênie do tal girassol pseudo-transgênico, que manteve todas vantagens do cultivar superprodutivo (fig. 1; sementes; óleo e proteína) e que agora, diferentemente do precursor, enquanto um híbrido assimétrico, apresenta alta resistência ao ataque do fungo (fig. 2) que no cenário mundial é responsável por perdas de colheita na faixa de uns 20% a 30%. Um resultado que poderá ter uma implicação econômico-financeira na ordem de muitos milhões de dólares e do maior interesse para o Paraná (Estado-celeiro do Brasil que está retomando, com vigor, o replantio de girassol com vistas ao biodiesel paranaense/2005, conforme acertada diretriz da Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento (Seab), comandada pelo vice-governador Orlando Pesutti).
O gasto exato de tal projeto (limitado ao intercâmbio e hospedagem bilateral de pesquisadores e pós-graduandos serão exatos R$ 52.277,10. Isso comparado com os milhões de reais que passaram a ser disseminados no País para dezenas de grupos, após o sucesso com o sequenciamento do genoma da Xyllela. Em alguns desses últimos casos, trata-se de clonagem por clonagem (geração de conhecimento básico). Raramente alguma proteína funcional (proteômica de resultados) surgirá como desdobramento da genômica de base. Situação espelho do que “rola” nos países (mais) desenvolvidos : prática de ciência básica e discurso de revolução industrial.
A 2.ª realização de peso, coordenada por um carioca, tem a ver com a metodologia, já validada e avidamente aguardada pela Agência Nacional da Vigilância Sanitária (Anvisa) e institutos filiados à Associação Brasileira de Institutos de Pesquisa e Tecnologia (Abipt), de medida de cininas (mediadoras do processo inflamatório) no plasma circulante humano para verificar a toxicidade de medicamentos. Irá certamente substituir o cruel e obsoleto método de gotejamento de drogas nos olhos de coelhos para avaliar o grau de pirogenicidade (inconveniente de provocação de estado febril) de remédios humanos. A mensuração das cininas é, além do mais, mais sensível e confiável e substituirá também, além dos coelhos, o outro método alternativo (conhecido como LAL Lisado de Amebócito Limulus) que é mais limitado (detecta apenas pirogênios do tipo LPS Lipopolissacarídicos de parede celular bacteriana). Custo total : R$ 56.863,88.
O 3.º fato está sendo gerado por um teuto-catarinense (seu sotaque germânico é tão pesado que recomendamos um subconvênio com algum sítio ultranordestino para, sem trocadilho, amaciamento idiomático; este Brasil multiétnico é realmente formidável !) e versa sobre a aplicação de enzimas fúngicas e bacterianas na modificação de fibras poliésteres. Os detalhes de microscopia eletrônica e ótica de acompanhamento da ação das enzimas na superfície das fibras leva a crer que logo criar-se-á uma roupa integralmente plástica com uma maciez semelhante ao algodão. Financiamento de R$ 66.509,54.
Como antecipado acima, um novo milagre dos pães na Biotecnologia brasileira com benefícios repartidos com o país tecnologicamente mais desenvolvido na Comunidade Européia. O mecanismo de financiamento e acompanhamento foi o correto ou seja: chamadas de projetos por edital, comitês de julgamento sérios e trabalhando adstritos às regras de conhecimento prévio e comunitário, avaliação de resultados no mesmo clima de seriedade e em sessão pública. Lição ou dever de casa que alguns iluministas federais e estaduais insistem em ignorar quando abrem a porta do dinheiro público para o financiamento da Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I).
José Domingos Fontana (fontana@ufpr.br), pesquisador 1A do CNPq, 11o. Prêmio Paranaense de C&T (1996) e docente-senior orientador nas Ciência Farmacêuticas e Bioquímica/Biologia Molecular (2004) na UFPR.