Avanços no tratamento do diabetes

figura2250606.jpgA descoberta e purificação da insulina de pâncreas bovino, em 1921, acabou por conferir, no ano seguinte, um prêmio Nobel para os canadenses Frederic Banting e J.J.R. Macleod. Generosos, compartilharam o dinheiro do prêmio com seus colegas e colaboradores Charles Best e J.B. Collip. A mesma molécula foi alvo de um segundo prêmio Nobel, conferido em 1959 ao inglês Frederick Sanger pelo seqüenciamento (estrutura primária em aminoácidos) da molécula que apresenta duas cadeias peptíticas (A, de Ácida, 21 aminoácidos e B, de Básica, 30 aminoácidos), totalizando 51 aminoácidos e unidas graças a duas pontes dissulfeto proporcionadas pelo aminoácido cisteina (Cy).

Durante décadas, o tratamento do diabetes mais grave se deu a partir de insulina isolada de pâncreas animais (suíno e bovino, cujas insulinas diferem da humana respectivamente por 1 ou 3 aminoácidos) até que em 1978 pesquisadores do City of Hope National Medical Center e da então pequena companhia de biotecnologia Genentech foram bem sucedidos inserindo o gene no DNA da bactéria Escherichia coli. As mini-fábricas bacterianas passaram a produzir os 2 peptídios A e B em quantidade, os quais quimicamente rearranjados geravam o hormônio completo e funcional, a Humulin. A este feito seguiu-se outro pela Novo Nordisk (hoje Novozymes), uma companhia dinamarquesa.

A insulina é produzida nas células beta das ilhotas de Langerhans, um tecido diferenciado do pâncreas, sob a forma de uma cadeia protéica mais complexa que é cindida por proteases específicas ( convertases prohormônicas PC1 e PC2 e carboxipeptidase E) ao mesmo tempo que há oxidação dos resíduos de cisteína para formar as pontes dissulfeto.

A insulina exerce amplo efeito no metabolismo e principalmente naquele dos carboidratos. Dentre outros efeitos hormonais, comanda a internalização da glucose plasmática para o interior das células (e.g., hepáticas e musculares) e ativa a via glicolítica (oxidação ou "queima metabólica" da glucose). Também incrementa a biossíntesse do glicogênio (reserva polimérica hepática e muscular de glucose) e estimula a biossíntese de ácidos graxos até triglicerídios e também de proteínas graças ao transporte acelerado de aminoácidos.

figura3250606.jpgNíveis adequados de insulina garantem a glicemia normal ou seja entre 70 e 110 mg/100 mL de sangue (4 a 6 mMolar). Níveis inferiores (diabetes do tipo II) ou a falta absoluta (diabetes do tipo I) elevam a glicemia e seus nefastos efeitos (e.g., glicosilação e disfunção de proteínas, dentre elas a própria hemoglobina dos eritrócitos). Contrariamente à hiperglicemia, a administração de excesso de insulina ou outras drogas para controle de diabetes (e.g., sulfoniluréias) leva à hipoglicemia que pode resultar em perda de consciência. Sumariamente, o diabetes mellitus (hiperglicêmico) é subdividido em 2 grupos: a) tipo 1, com característica auto-imune em que as células beta do pâncreas são destruídas resultando em deficiência absoluta de insulina e b) tipo 2, de natureza multifatorial que combina susceptibilidade de ordem genética, o avanço da idade, a condição de obesidade e daí a resistência das células de tecidos-chave à ação da insulina ou mesmo a subprodução de insulina.

Algumas formulações modernas de insulina (análogos) tratam de modular a ação do hormônio evitando uma ação brusca que resulte na alternância daninha do tipo hiperglicemia -: hipoglicemia. É o caso da Lispro da Lilly, Glargine da Aventis, Aspart e Detemir da Novo Nordisk.

figura4250606.jpgUm aspecto penoso da insulinoterapia é a repetitividade do ato de injeção. A quase totalidade das pessoas – diabéticos inclusive – abomina a agulha. O grande avanço no aprimoramento do tratamento vem da parceria Pfizer/Aventis, que encomendou a um laboratório menor, Nektar, o desenvolvimento de uma nova tecnologia de administração do hormônio. Trata-se da Exubera, uma forma farmacêutica inalável e que tira partido da alta capacidade de absorção de medicamentos pelos pulmões. Em si, o medicamento é insulina humana mas obtida por engenharia genética ou seja a técnica do DNAr (recombinante). Sob a forma de pó, a insulina é inserida numa bomba (semelhante àquela de combate à asma). Alcançados os alvéolos pulmonares, a droga rapidamente se difunde para a corrente sanguínea. A alternativa é contra-indicada para quem tem insuficiência cardíaca, asma, bronquite ou enfisema pulmonar. Um produto análogo é o Aerx, da Novo Nordisk. O apelo é o aparato eletrônico desenvolvido pela Aradigm Co., que igualmente garante a liberação da insulina, após inalação, dos pulmões para o sangue.

Outras novidades no controle do diabetes são o Byetta (exenatyde) da Eli Lilly / Amylin Pharmaceuticals, Inc. Esta droga "mimetiza" a ação de hormônios naturais secretados pelos intestinos, as incretinas, que por sua vez guardam analogia estrutural e funcional com o GLP-1 (peptídio 1 similar ao glucagon) que é secretado em resposta a qualquer consumo de alimento e que regula (via insulina) os níveis de glucose no sangue, fígado, pâncreas e cérebro e que também aumenta a sensação de saciedade. O Byetta é sintetizado com base na estrutura de um peptídio isolado da saliva do monstro de Gila (Heloderma horridum e H. suspectum), um lagarto comum nos desertos norte-americanos e é particularmente indicado para os diabéticos do tipo 2 que não conseguem controlar eficientemente a (hiper) glicemia ao uso de metformin e/ou sulfoniluréia. Resumidamente, Byetta estimula a secreção de insulina, reprime a secreção de glucagon (um hormônio que antagoniza a ação da insulina) e modera o apetite. Dada a natureza peptídica (protéica), Byetta está sendo disponibilizado na forma de caneta injetora. Outra novidade no controle de diabetes é Januvia (sitagliptin) desenvolvido pela Merck. Trata-se de um potente inibidor da DPP-4, uma aminopeptidase que degrada e inativa o GLP-1.

No campo dos fitoterápicos, um princípio bioativo extraído do fruto da gardênia (Gardenia jasminoides), a genipina, está se constituindo numa promissora ferramenta terapêutica para o tratamento do diabetes. A pesquisa deriva da tradicional medicina chinesa (Kampo), onde a planta é chamada de Inchin-ko-to. A droga natural é um glicosídio (geniposídio), que no trato digestivo é desdobrado no açúcar (inativo) e na aglicona (bioativa). Sua propriedade bioquímica mais marcante, antes elucidada, é entrecruzar (estabelecer ligações covalentes) moléculas de outras proteínas. Um efeito prático da genipina é bloquear ação da proteína acopladora (UCP2), esta um fator importante no desencadeamento da patogênese pró-diabética. O resultado líquido é que a genipina leva à secreção de maior quantidade de insulina pelo pâncreas.

No cenário paranaense, uma notícia animadora foi recentemente veiculada pela jornalista Cíntia Vegas de O Estado do Paraná. Trata-se da pesquisa sendo executada pela PUCPR a partir de células-tronco de cordão umbilical e seu cultivo em meio condicionante para que evoluam para a produção de insulina com vistas à futura implantação em diabéticos.

José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor emérito da UFPR junto ao Departamento de Farmácia, pesquisador do CNPq e prêmio paranaense em C&T.

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