Os registros mais antigos de mulheres voltadas para as práticas astronômicas remontam a 6.000 anos a.C. No entanto, foi necessário esperar pela dinastia do imperador babilônico Sargão I (2334-2279), da Acádia, para identificar com precisão a primeira astrônoma da história: En-Hedu-Anna, que viveu por volta de 2.300 a.C., sendo que as tábuas com os seus conhecimentos sobre astronomia desapareceram, só restando os seus poemas.
A situação crítica da mulher alcançou seu paroxismo trágico por ocasião do assassinato da astrônoma, matemática e filósofa Hipátia (370-415 d.C), residente em Alexandria, Egito. Hipátia simbolizou o aprendizado e a ciência, que os primeiros cristãos identificaram com o paganismo. Por este motivo, foi cruelmente assassinada por uma turba de cristãos fanáticos, formados por monges e seguidores do bispo Cirilo.
A partir de 1600, os nomes das mulheres começaram a aparecer com regularidade nos anais da Astronomia. No entanto, todas viveram à sombra dos homens, pai, irmão ou cônjuge cientistas a quem ajudavam em seus trabalhos, colaboravam na redação, nos cálculos e nas classificações. Em geral, prosseguiram as pesquisas e as tarefas dos seus maridos, depois da morte destes, completando-as com paciência e precisão. Infelizmente, elas tiveram que lutar para ter acesso aos conhecimentos assim como os seus direitos reconhecidos. Algumas características tidas como femininas – habilidade manual, dedicação, paciência e persistência – ajudaram-nas muito no trabalho científico. É nisso que as mulheres levam vantagens em relação aos homens. No entanto, foi a paixão e a persistência que as salvaram do ostracismo.
Caroline Herschel (1750-1848), apaixonada pela astronomia, especializou-se no polimento dos espelhos dos telescópios construídos pelo seu irmão – o famoso músico e astrônomo inglês de origem germânica, William Herschel, descobridor do planeta Urano – para ajudá-lo. Trabalhadora incansável, ela descobriu um cometa em 1786, o primeiro dos nove que descobriu em onze anos. Foi a primeira mulher a receber uma remuneração pelos seus trabalhos.
A tolerância em relação às astrônomas começou a mudar um pouco com Mary Fairfax Grieg Somerville (1780-1872) – famosa pela tradução para o inglês da obra Traité de mécanique celeste (Tratado de mecânica celeste, 1799-1825) do matemático e astrônomo francês Pierre Simon de Laplace (1749-1827) -, que liderou as primeiras lutas ?feministas? de seu tempo, a favor dos direitos das mulheres.
Ronaldo Rogério de Freitas Mourão. Astrônomo, criador e primeiro diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins, escreveu mais de 85 livros, entre outros, Anuário de Astronomia e Astronáutica 2007. Consulte a homepage: http://www.ronaldomourao.com
Enciclopédias destinadas às damas
No século XVIII apareceram as primeiras enciclopédias específicas para as mulheres em ciências naturais e medicina. Assim por exemplo, o astrônomo francês Jérôme de Lalande (1732-1807), em sua Astronomie des Dames (1786) desenvolveu o gênero da literatura científica chamada ?para as damas?, na qual incluiu uma breve história sobre as astrônomas. Talvez essa tenha sido a primeira história da ciência, na qual a contribuição das mulheres para a ciência não foi esquecida.
Realmente, com o Renascimento e, em seguida, com a revolução científica, foi que o interesse das mulheres pela ciência se generalizou. Muitos são os fatores que intervêm, entre eles o clima no qual se discutia sobre a educação da mulher, que se estendeu por quase 200 anos aproximadamente.
Convém recordar que, a partir do século XVI, ocorreu uma mudança com respeito à Idade Média. A opinião clerical ensinava que o ensino das ciências à mulher adicionaria a maldade ?à malícia natural que elas tinham?. Acreditavam que isso constituiria uma ameaça à ordem constituída e conduziria a uma displicência das tarefas domésticas e, finalmente, à discórdia nos casamentos.
Na segunda metade do século do XIX, nos Estados Unidos, o preconceito contra as mulheres era ainda forte na comunidade científica. Ele só começou a cessar diante do talento e da qualidade do trabalho feminino. De início, as astrônomas dedicaram-se à astronomia de posição, à astrofotografia, à fotometria e, mais tarde, especialmente, à espectroscopia. As mulheres, como Maria Mitchell (1818-1889) começaram a ensinar a astronomia em 1876. Os observatórios, como o de Harvard, começaram a contratar algumas mulheres. Mas foi necessário esperar quase um século para ver as mulheres adquirindo uma quase-paridade econômica e acadêmica com os colegas masculinos.
O astrônomo norte-americano Edward Charles Pickering (1846-1919), diretor do Observatório de Harvard, que cercou-se de uma equipe feminina – que ficou conhecida como o harém de Pickering -dentre elas, encontrava-se Henrietta Swan Leavitt (1868-1921), que estabeleceu a relação período-luminosidade das Cefeídas através da qual foi possível conhecer as distâncias das galáxias, portanto, do universo. Ela deveria ter recebido o prêmio de Nobel. Em 1925, quando a Academia das Ciências da Suécia anunciou que iria propor seu nome, descobriu-se que ela já havia falecido há quatro anos, pois a sua morte teve pouca repercussão.
Elas são mais de 30% na AL
Na América Latina, existe uma quantidade considerável de mulheres na astronomia, cerca de 30 a 40% do total. O mesmo acontece na Espanha, França e Itália. Elas são minorias nos países anglo-saxônicos, onde ainda existe um pouco de discriminação.
No Brasil, a primeira astrônoma profissional foi Yeda Veiga Ferraz Pereira, que trabalhou no Observatório Nacional, na década de 1950. Mais tarde, a partir dos anos 1980, com a criação dos cursos de astronomia na Universidade do Brasil e o maior incentivo à pesquisa astronômica, o número de astrônomas cresceu de maneira notável.
Uma delas é Rosaly M.C. Lopes-Gautier que depois de estudar na Inglaterra, atualmente faz parte do programa Galileo de exploração do planeta Júpiter.
A astrônoma brasileira Beatriz Barbuy, após estagiar no Observatório de Meudon, doutorou-se pela Universidade de Paris, em 1982. Dedica-se à astrofísica estelar, em particular, ao cálculo dos espectros moleculares nas estrelas, no Instituto Astronômico e Geofísico, da Universidade de São Paulo, onde fez valiosas contribuições com relação às estrelas do núcleo da nossa Galáxia. Atualmente é vice-presidente da União Astronômica Internacional.
Hoje, muitas mulheres se dedicam às carreiras científicas, mas foram necessários muitos anos de lutas nessa direção. No entanto, ainda permanecem muitos preconceitos que precisam ser combatidos e eliminados. Com a sua persistência, o seu trabalho e a sua preocupação em ultrapassá-los vão se transformar em líderes tão competentes e tão qualificadas como quaisquer outros astrônomos.