As idades sombrias do universo

As imagens do telescópio espacial Hubble, confirmadas posteriormente pelo telescópio Keck, do Havaí, registraram a luz da mais distante galáxia jamais identificada, como anunciou o astrônomo Jean-Paul Kneib, do Observatório de Pic-du-Midi, nos Pirineus, França – atualmente no Instituto Tecnológico da Califórnia, nos EUA -, durante a reunião anual da Associação norte-americana para o Avanço da Ciência, em Seattle, Washington, em 15 de fevereiro de 2004.

Realmente, as luzes desta galáxia, agora detectada, foram emitidas quando este sistema de estrelas tinha a idade de 750 milhões de anos aproximadamente. A distância desta galáxia, estimada em cerca de 13 bilhões de anos-luz, significa que a luz levou 13 bilhões anos para chegar até nós. Ora, sabendo que a idade estimada do universo é da ordem de 15 bilhões de anos, somos levados a concluir que estamos vendo uma galáxia de uma época na qual o universo era ainda muito jovem.

Como a imagem de galáxia descoberta é extremamente tênue, a sua observação só foi possível em virtude do efeito lente gravitacional, provocado pela grande massa do aglomerado de galáxias Abell 2218.

Lente gravitacional é o efeito produzido por um intenso campo de gravidade que consiste na propriedade de desviar os raios luminosos que lhe passam próximos, provenientes de um objeto celeste mais afastado, e, conseqüentemente, produzindo uma forte distorção da imagem original deste objeto, ou até mesmo a formação de imagens múltiplas.

As lentes gravitacionais têm a propriedade de desviar a trajetória dos raios luminosos provenientes da nova galáxia, bem como amplificar a luz emitida. Essa capacidade dos campos gravitacionais de aumentar as imagens foi descrita pela primeira vez por Albert Einstein, em sua teoria da relatividade generalizada, e, em seguida, confirmada durante o eclipse total do Sol de 1919, observado pelos ingleses na cidade de Sobral, no Ceará, e na ilha de Príncipe, na costa ocidental da África. Na realidade, os raios luminosos desviados pela ação gravitacional de uma grande massa (no caso do eclipse citado, foi o campo gravitacional do Sol que desviou a luz das estrelas e, no caso da galáxia, a presença do aglomerado estelar) provocam também uma amplificação de imagem. A existência de duas imagens de um mesmo objeto celeste nas fotografias obtidas pelo telescópio Hubble, no espaço, e o Keck, no Havaí, sugere que o fenômeno de lentes gravitacionais esteve presente no momento do registro das imagens, pois o efeito das lentes gravitacionais ao desviar a luz das imagens produz uma duplicação das imagens produzidas pela fonte luminosa.

Sem o aumento de 25 vezes permitido pelo aglomerado de galáxias, este objeto a galáxia mais afastada não poderia ter sido identificado nem estudado pelos telescópios de que dispomos atualmente.

A importância desta descoberta está associada à compreensão de um dos períodos mais pouco conhecidos da juventude do Universo as idades sombrias ou seja, os relativos aos primeiros milhões de anos, depois do Big-Bang, durante o qual o universo deveria constituir uma mistura de matéria escura e gases que precederam a formação das estrelas. O fim das idades sombrias, como o astrônomo inglês Sir Martin Rees denominou esta fase da historia do universo, é um dos períodos mais desconhecidos que os astrônomos procuram compreender, em particular os eventos cósmicos que teriam provocado o seu fim e o início da formação das estrelas, planetas e sistemas estelares, como existem atualmente.

A descoberta da galáxia mais afastada poderá contribuir para uma melhor compreensão desta etapa a da história do cosmos.

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é pesquisador-titutar do Museu de Astronomia e Ciências Afins, no qual foi fundador e primeiro diretor, autor de mais de 70 livros, entre outros livros, do Anuário de Astronomia 2004.

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