Ronaldo Rogério de Freitas Mourão
No entanto, o céu noturno das noites da primavera quase sempre foi dominado por Marte, quando o planeta esteve a cerca de 56 milhões de quilômetros da Terra. Assim aconteceu, em 1766, quando o jornalista, editor, autor, filantropo, abolicionista, funcionário público, cientista, diplomata e inventor norte-americano, que foi também um dos líderes da Revolução Americana, e é muito conhecido pelas suas citações e pelas experiências com a eletricidade. Benjamin Franklin (1706-1790) registrou que Marte parecia astro extraordinariamente brilhante no céu. Em 1845, o escritor Edgar Allan Poe (1809-1849) ao olhar para o céu, inspirou-se na coloração vermelho sanguinolenta de Marte para escrever o poema The Raven (O corvo), considerado por muitos como sua obra de maior sucesso, no qual exprime bem a sua característica de poeta do desespero e da morte. Mais tarde, em 1924, o escritor F. Scott Fitzgerald (1896-1940) pôde compor uma partitura para uma festa que marcou o brilho rubro do planeta dominando o céu.
A aparição de Marte em 2005 está sendo uma das mais favoráveis para observação do planeta no século XXI, pois Marte está muito próximo da Terra. Enquanto a órbita da Terra ao redor do Sol é quase circular, a de Marte é muito excêntrica. Durante as oposições, quando os dois planetas estão alinhados com o Sol, a distância entre eles pode variar consideravelmente de um ano para o outro dependendo da situação de Marte em sua órbita. Se Marte, durante a oposição, está mais afastado do Sol (no afélio), então sua distancia da Terra será cerca de 97,6 milhões de quilômetros. Mas, se Marte alcança a oposição quando ele está mais próximo do Sol (no periélio), o planeta vermelho estará somente a 55,4 milhões de quilômetros da Terra.
As oposições periélicas ocorrem em intervalos de 15 a 17 anos; as últimas duas foram em 2001 e 2003. Em novembro deste ano, Marte irá passar pelo periélio de modo que podemos considerar esta aparição como periélica.
Durante a oposição de Marte podemos observá-lo como um astro muito avermelhado no céu. Através de um telescópio, o planeta aparecerá somente como um pequeno disco com esta coloração. Nossa primeira observação de Marte não será excitante, pois começamos a observá-lo nos meses em que o disco é muito pequeno. O melhor teria sido começar a observá-lo, durante os meses de junho e julho. Nesta época, quando o disco ainda é pequeno, seria conveniente procurar treinar os olhos para distinguir as mais tênues variações de tonalidades ou melhor, os mais delicados contrastes da superfície do planeta, deste modo, quando Marte estivesse mais próximo e as suas dimensões maiores, o que ocorre durante a oposição, estaríamos já suficientemente capazes de distinguir as manchas da superfície do planeta.
Em condições excelentes de transparência atmosférica, um telescópio de 10 centímetros e um aumento de 200 vezes ou com um telescópio de 20 centímetros de abertura e um aumento de 400 vezes, seria possível distinguir muitos detalhes da superfície. No entanto, em geral, as melhores observações são feitas com um aumento de 240 ou 320, respectivamente, para cada uma das aberturas acima relacionadas.
Em 7 de abril, duas semanas após o início do outono no hemisfério sul da Terra, Marte apareceu no céu matutino, como um objeto muito fraco de seis arcos de segundos. Desde o dia 10 de agosto, Marte se desloca para o hemisfério norte, de modo que de 21 de junho, solstício do inverno no nosso hemisfério, até o início de março de 2006, Marte estará aparecendo com um diâmetro superior de seis segundos de arco e bem situado para ser observado em ambos os hemisférios.
A grande aproximação do planeta vermelho irá ocorrer em 30 de outubro a 01h21min horário de Brasília, quando ele então alcançará o seu maior diâmetro (20,18 arcos de segundos). No entanto, Marte vai alcançar a oposição em 7 de novembro às 5h21min, em hora de Brasília, quando estará ligeiramente mais afastado da Terra, do que quando estava mais próximo no dia 30 de outubro. Na oposição, Marte nasce ao pôr do Sol, atinge o seu ponto mais alto no céu, a 1h depois de meia noite. Dois depois desta data, ou seja, em 2 de janeiro de 2006, Marte estará com um diâmetro suficiente para que seja possível fazer observações de sua superfície.
Os menores detalhes da superfície serão visíveis durante um mês em 2005, ou seja, de 23 de outubro até 6 de novembro. Durante este intervalo, os maiores vulcões, como aquele localizado nas regiões Elysium ou Tharsis poderão ser visíveis com um telescópio de 15cm. Após a oposição será possível observar o planeta até março de 2006.
De todos os planetas do sistema solar, Marte é o mais semelhante a Terra; apresenta alterações climáticas análogas as que ocorrem no nosso planeta. Estas alterações sazonais permitem que se observem o degelo das calotas, nuvens e tempestades de poeiras que ocorrem durante as quatro estações que como na Terra ocorrem também em Marte.
As observações de Marte indicam que as tempestades de areia acontecem por volta do solstício de verão, logo após Marte ter alcançado o periélio. No entanto, previsões precisas são impossíveis em virtude da complexidade de fatores variáveis ainda desconhecidos.
Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é pesquisador titular do Museu de Astronomia e Ciências Afins, no qual foi fundador e primeiro diretor, e autor de mais de 75 livros, entre outros livros, do Explicando a Teoria da Relatividade. Consulte a homepage: http://www.ronaldomourao.com
Nasa faz novos estudos sobre o planeta vermelho
Diogo Dreyer
Quando em 1897, o alemão Kurt Lasswitz publicou o livro Nos dois planetas, e um ano depois o inglês Herbert George Wells lançou A guerra dos mundos, estabeleceu-se um dos padrões mais celebrados da ficção científica: a de que existe vida sobre Marte e ela quer conquistar a Terra. O temor que fez com que gerações de jovens esquecessem as velhas histórias de fantasmas e olhassem para o planeta vermelho com medo foi personificado pelos homenzinhos verdes de Marte criados pelo escritor americano Edgar Rice Burroughs e por dezenas de filmes B lançados entre as décadas de 1940 e 1950, como "Plano 9 do Espaço Sideral", do diretor Ed Wood.
Já oriundo de uma geração que já não temia o espaço, mas o admirava, o físico brasileiro Paulo Antônio de Souza Júnior faz parte de um grupo seleto da Nasa, a agência espacial norte-americana, que está dando os primeiros passos para desvendar, entre outros segredos, se afinal existiu ou não vida em Marte. "Sem sombra de dúvidas, o planeta foi habitável. Agora precisamos enviar outra missão para determinar essa resposta", explica o físico. Souza – que esteve essa semana em Curitiba para uma série de palestras – é o único dos 58 cientistas que participa do programa "Mars Exploration Rover" que enviou dois robôs ao planeta, o Opportunity e o Spirit, oriundo do hemisfério sul.
Essa é a segunda vez que ele participa de um projeto para enviar robôs exploratórios para o solo marciano. Quando fazia doutorado na Alemanha, foi convidado a integrar a equipe "Mars Express" da agência espacial européia, que enviou uma sonda com um robô semelhante ao planeta vermelho. Infelizmente a sonda foi destruída. Mas a experiência ajudou Souza a realizar um sonho.
Em 2002, o brasileiro recebeu o convite para fazer parte do projeto da agência espacial americana. Lá tem as funções de receber as informações enviadas pelos robôs, verificar se os enviaram o que havia sido pedido, discutir os resultados obtidos com os demais cientistas e definir as atividades que o Spirit e o Opportunity irão realizar.
Souza diz que se considera filho do ensino público brasileiro e que apesar da sorte, foi necessário muita perseverança para chegar à agência americana. "Qualquer brasileiro que tenha o sonho de ser astronauta, por exemplo, só deve ter a garra de ir atrás do que quer", completa.
Robôs permanecem na superfície marciana
Assim como Paulo Antônio de Souza Júnior, o Opportunity e o Spirit são para lá de perseverantes. No início da missão, que se iniciou em 2003, estava previsto que as máquinas só iriam funcionar e mandar informações para a Terra durante três meses, já que todos os teste feitos antes do lançamento indicavam que haveria muitos problemas na chegada ao planeta. Mas os dois já rodam pela superfície marciana há mais de um ano e meio. "É uma surpresa para todos os cientistas que isso tenha acontecido. Mas eles só têm mais cinco meses de vida útil, quando um satélite da Nasa será colocado em órbita do planeta para substituí-los", explica.
O cientista revela que os dois robôs que ajudou a pôr no espaço e dos quais agora analisa os dados enviados, têm finalidade geográfica. "Eles descobriram que existiu água em Marte", diz. Mas para encontrar fósseis ou indícios de que os "homens verdes" realmente existiram, a Nasa está preparando outra missão.
Sobre a possibilidade de astronautas andarem sobre a superfície do planeta, Souza afirma que essa possibilidade ainda é ficção científica, mas que a Nasa já trabalha para superar as deficiências tecnológicas que impedem a viagem. Entre essas dificuldades está a longa distância. O físico explica que são necessário sete meses de viagem para chegar até o planeta e depois, necessariamente, os astronautas teriam que ficar um ano em solo marciano, até que a Terra e Marte estivessem próximas devido a suas órbitas, o que só acontece de dois em dois anos.
"É necessário, antes de tudo, resolver os problemas que vêm com uma permanência extensa no espaço. E parece que a solução para isso está na genética", diz. Ele explica que como os ursos conseguem hibernar sem perder massa muscular e óssea, algum gene modificado poderia fazer o mesmo para os seres humanos. Já para os lançamentos, Souza conta que a Nasa está com planos audaciosos. "A agência quer estabelecer uma base na lua até 2014, e iniciar lançamentos para Marte em 2033." (DD)