Antocianinas são pigmentos fenólicos ligados a açúcares que conferem às flores e alguns frutos suas cores características. Assim, antocianidina corresponde ao polifenol livre (aglicona do tipo flavonóide) enquanto antocianina é o resultado da combinação covalente entre a antocianina e açúcares como a glucose, arabinose, galactose e/ou ramnose. Um exemplo é o matiz azul-avermelhado das uvas Cabernet-Sauvignon pela presença da delfinidina, dentre outras enocianinas. Por vezes a estrutura básica assume maior complexidade pela ligação de outros compostos nativos (também antioxidantes) como os ácidos fenol-carboxílicos (ácidos cafêico, ferúlico e p-coumárico).
A exemplo de outros fenóis naturais as antocianinas são potentes antioxidantes e no organismo combatem os radicais livres e espécies reativas do oxigênio (radicais superóxido, hidroxil e água oxigenada). Outro tipo de antocianina é a miricetina encontrada em cerejas e ameixas (além de uvas, também). Alto consumo deste polifenol, de acordo com uma recente investigação finlandesa, implica em ocorrência reduzida de câncer de próstata {Kenekt, P. et al (2002). Amer. J. Clin. Nutrition 76 (3) 560-568). Tal estudo acompanhou a dieta de mais de 10.000 homens e mulheres. Outras antocianidinas mais comumente encontradas em flores e frutos são a pelargonidina, cianidina, peonidina, malvidina e petunidina. A cor destes compostos se altera em função da acidicidade ou alcalinidade do meio em que se encontram e das 4 formas possíveis em meio ácido, duas são coloridas : o cátion flavilium e a base quinoidal, enquanto o carbinol e a chalcona são incolores.
Mais recentemente, A.K. Timbola e B. Szpoganicz (Fitoterapia, 2002) isolaram das folhas do jambolão ou jamelão (Eugenia jambolana ou Syzygium cumini ; uma mirtácea) um novo derivado flavonóidico combinando miricetina e ramnose, completando o trabalho nacional de identificação das antocianinas do fruto do jambolão {E.M. Kuskoski, P.T. Marques e R. Fett (2000) Revista Brasileira de Corantes Naturais 4 n. 273, 73-76}.
Terrível manchador de roupas, calçamentos e carros, desponta agora o roxo jambolão, pelas mãos e mentes de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), como uma ferramenta eficiente para a destruição de células cancerosas. Quando as antocianinas do fruto foram confrontadas com células leucêmicas, 90% destas morreram, enquanto que em ensaio casado com células normais apenas 20% experimentaram a morte. Daniella Campos e Adriana Rossi, envolvidas com a promissora pesquisa, têm como meta distinguir o princípio bioativo responsável pelo efeito biológico (se uma antocianina, seu produto de hidrólise antocianidina ou algum derivado que teria então como precursor o pigmento nativo). A tarefa ficará algo facilitada, pois em comparação com a jabuticaba, amora e uva, as quais contêm uma pluralidade de antocianinas (em média, 8), o jambolão contém apenas três, em acordo aos achados de {H. Sagrawat, A.S. Mann & M.D. Kharya (2006) Pharmacognosy Magazine, 96-105} : delfinidina-3-gentiobiosídio, malvidina-3-laminaribiosídio e petunidina-3-gentiobiosídio.
A planta tem sido enfocada também de outros ângulos. Pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Fármacos (Farmanguinhos, Fiocruz) tem observado que extratos das folhas do jambolão, além de ação antiinflamatória, têm também atividade antialérgica semelhante ao corticóide dexametasona. Além do jamelão são investigadas também outras mirtáceas como E. sulcata (um tipo de pitanga), E. brasiliensis (grumixama), E. involucatra (cereja-do-rio-grande) e E. aquea (um outro tipo de jambo). Quando se conduziu o ?teste da pata?, injetando uma substância inflamatória na pata de cobaias, os extratos de todas estas plantas foram capazes de reduzir o processo inflamatório em cerca de 50%. Todavia, quando a injeção foi de uma substância alérgica, apenas o extrato de jambolão funcionou e com uma eficiência de redução do quadro patológico em 80% e isto no reduzido tempo de 30 minutos. O resultado, alvissareiro, foi repetido, com sucesso, em camundongos especiais alérgicos à albumina. A esperança é que o extrato (ou sua forma purificada) venha a integrar a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename). Vale assinalar a polivalência do jamelão pois pesquisadores indianos já haviam apontado que o chá da polpa do fruto tem efeito hipoglicemiante (baixando a concentração de glucose circulante; fato de interesse no controle e terapia da diabetes) {S. Achrekar, G.S. Kaklij, M.S. Pote & S,M. Kelkar (1991) 5(2):143-7}. Os efeitos foram confirmados em ratos com diabetes induzida por estreptozotocina e até em células isoladas de ilhotas de Langerhans, modelos nos quais se detectou níveis aumentados de insulina.
Outro enfoque radicalmente diferenciado é a utilização dos corantes naturais do jambolão {C. G. Garcia, A.S. Pólo e N.Y. Iha (2003) An. Acad. Brasil. Ciênc., 75(2) 163-165} como um sensibilizador natural para revestimento de um semicondutor. A partir da luz solar tal célula fotoeletroquímica gera eletricidade com corrente e potencial significativos: 2,3 mA e 711 mV.
José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor emérito da UFPR junto ao Depto. de Farmácia, pesquisador do CNPq e prêmio paranaense em C&T.