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Como o ano de 2004 é bissexto, com 366 dias, a maior parte das pessoas acredita que tal denominação tem origem no fato da presença do número seis duas vezes, daí o nome bissexto, que seria a reunião da palavra bis (que significa repetição) com sexto (seis) em referência ao fato do número seis estar repetido. Nada mais falso.

Na realidade, a origem latina está associada às superstições romanas relativas aos números ímpares, que predominaram na elaboração do nosso calendário.

No Egito, durante o seu reinado, Ptolomeu III (246 a.C.-221 a.C.) – o Benfeitor – decretou a adição de um dia ao fim de cada quadriênio, com o objetivo de compensar a diferença que existia entre o ano solar de 365 dias e seis horas, e o ano do calendário de 365 dias. De fato, no fim de quatro anos, o excesso de 6 horas dava origem a um dia que, se não fosse acrescentado sob a forma de um dia extra, acabaria por provocar o deslocamento do início das estações, como tinha sido observado no Egito, onde, por exemplo, a primavera passeava ao longo do ano, sem que a sua ocorrência viesse a se dar numa data fixa, como convinha para a programação das épocas de semeadura e colheita, eventos de grande importância para a economia agrícola dos povos antigos. Lamentavelmente, o povo permaneceu pouco receptivo a esta altercação do calendário, que iria repor as estações em suas respectivas épocas.

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Quando ditador, Júlio César (101 a.C.-44 a.C.) assumiu o poder, reinava em Roma uma enorme desordem na contagem dos dias. Os pontífices, aos quais haviam sido delegado o direito de intervir à vontade sobre o começo e fim das medidas de tempo, fizeram do calendário um instrumento de corrupção e fraude. Usavam arbitrariamente do seu poder para prolongarem a magistratura dos amigos e abreviarem a dos desafetos, avançando ou retardando os vencimentos das taxas, o que permitia aos rendeiros do fisco obter maiores benefícios, com mais rapidez ou mesmo conduzir os seus inimigos à falência. Todos estes abusos estavam associados à diferença existente entre o ano solar de 365,25 dias e o ano do calendário de 365 dias, cujo acúmulo ao longo dos anos fizeram com que a festa da primavera fosse celebrada na Outonalia (festa do outono) e a época da colheita acontecesse em pleno inverno.

Com o objetivo de eliminar tais discrepâncias, Júlio César resolveu intervir no sistema de contagem, mas antes teve o cuidado de trazer de Alexandria o astrônomo grego Sosígenes para aconselhá-lo. Sob a assessoria deste sábio, o imperador romano decidiu que o novo calendário não deveria levar em consideração o movimento da Lua. Ele deveria se ajustar, unicamente, ao movimento anual do Sol, ou melhor, o calendário juliano deveria ser essencialmente solar.

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A razão da designação bissexto está associada às crendices relativas às influências dos números pares e ímpares. Para adicionar o dia suplementar, Júlio César escolheu o mês de fevereiro, que além de ser o mais curto, com 28 dias, era o último mês do ano entre os romanos, que o consideravam como um mês nefasto. Para não chocar os seus concidadãos supersticiosos, em lugar de atribuir ao mês de fevereiro 29 dias, de quatro em quatro anos, como o fazemos atualmente, Júlio César adotou um sistema mais complicado: duplicou o vigésimo quarto dia de fevereiro, que recebia na época o nome de sextus (ante) calendas martias, ou seja, o sexto que antecedia o início do mês de março. Deste modo, o dia suplementar foi batizado, sob a forma latina: bis-sextus (ante) calendas martias, que deu origem à atual designação de dia bissexto, o qual foi também impropriamente aplicado à designação do ano que possui um dia suplementar.

Como o equinócio de primavera devia coincidir com o dia 25 de março, decidiu-se deslocar o início do ano de primeiro de março para primeiro de janeiro, data em que o consulado entrava em exercício. Deste modo, o dia primeiro de janeiro do ano 45 a.C. inaugurou a reforma juliana. Para conseguir seu objetivo, César decretou que o ano 46 a.C. (ano 708 da fundação de Roma) tivesse 455 dias, o que deu origem ao ano da confusão.

Apesar desta correção quadrienal, o ano juliano mostrou-se superior em 11 minutos e 14 segundos (0,0078 dia) ao ano astronômico sazonal (ano trópico). Na verdade, o sistema de César não conseguiu manter em um dia fixo a data do começo das estações como havia proposto. No fim de um século de cem anos julianos, o excesso atingia 0,78 dia, ou seja, três quarto de dia aproximadamente. Em conseqüência, no fim de quatro séculos, o calendário juliano apresentava um atraso de três dias em relação ao início das estações, ou seja, a data da passagem do Sol pelo equinócio da primavera avançava de três dias no fim de quatro séculos. Esta discrepância foi solucionada pelo papa Gregório XIII que, além de eliminar 10 dias, apelou para uma comissão de sábios, entre eles o astrônomo e médico italiano Luigi Lilio (1510-1576), e o jesuíta e matemático alemão Cristophorus Clavius (1537-1612). Tal comissão decidiu que todos os anos divisíveis por 4 continuavam sendo bissextos de quatro em quatro anos, de acordo com a regra juliana, salvo os anos seculares, ou seja, os que, terminando por dois zeros, fossem divisíveis por 400. Assim, no calendário juliano 1600, 1700, 1800, 1900, 2000, 2100, 2200, 2300, 2400, 2500 são bissextos, mas no calendário gregoriano só 1600, 2000 e 2400 são bissextos; os demais serão anos comuns.

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é pesquisador-titutar do Museu de Astronomia e Ciências Afins, no qual foi fundador e primeiro diretor, autor de mais de 70 livros, entre outros livros, do Anuário de Astronomia 2004. Consulte a homepage: http:/ronaldomourao.com