Depois da bulimia e da anorexia nervosas (transtornos alimentares) surgiu um novo termo para identificar um vício perigoso, e que pode ser ainda mais grave do que esses distúrbios: a alcoolrexia, que é o consumo do álcool para emagrecer e, em alguns casos, a substituição de refeições por bebidas alcoólicas.
Uma prática nada saudável que, segundo os especialistas, pode levar ao comprometimento dos sistemas digestivo, nervoso e imunológico, e ainda levar ao alcoolismo ou até mesmo à morte.
O termo alcoolrexia ou, em inglês, drunkorexia (derivada da palavra drunk, que significa bêbado) ainda não é reconhecido pela medicina como um distúrbio alimentar.
Porém, de cerca de dois anos para cá, está ficando cada vez mais comum o aparecimento de jovens e adultos com este problema nos consultórios médicos. O assunto foi discutido amplamente no Congresso Brasileiro de Nutrologia, realizado no mês passado, em São Paulo.
Como explica a médica da Associação Brasileira de Nutrologia, Maria Del Rosário, para se tornar um transtorno, a prática precisa ser avaliada pela Associação de Psiquiatria Americana, o que ainda não aconteceu.
No entanto, o uso do álcool para emagrecer, a substituição de refeições por essa bebidas (geralmente as destiladas) ou, ainda, o uso do álcool por pessoas que já têm algum transtorno alimentar (o que é mais comum) já preocupa os especialistas.
“As pessoas, principalmente mulheres jovens, querem ser como as modelos que aparecem na mídia, então fazem uso dessas práticas. Em vários casos atendi pacientes que não comiam durante o dia e saíam para beber à noite. E há casos também em que elas trocam a refeição pela bebida”, relatou Maria.
Há alguns anos, os distúrbios alimentares eram mais frequentes apenas em mulheres ou homossexuais. Mas hoje esse quadro mudou. Os homens também estão na busca da imagem “vendida” pela mídia e acabam se prejudicando com esses transtornos.
“Porém, as mulheres têm uma estrutura corporal diferente da dos homens, têm mais gordura e menor quantidade de água no corpo, então os efeitos são mais graves nelas. Não que não ocorra entre homens, mas penso que nos últimos dois anos as mulheres estão bebendo mais, o que vem nos preocupando”, comentou Maria.
Há algumas pesquisas que já indicam que 30% dos alcoólatras apresentam algum transtorno alimentar associado. Segundo um membro do Alcoólicos Anônimos de Curitiba, de 15% a 20% dos jovens que usam álcool vão desenvolver o alcoolismo.
No AA ainda não há casos de drunkoréxicos. O psiquiatra Glauber Higa Kaio do Programa de Orientação em Assistência a Pacientes com Transtornos Alimentares (Proata) da Universidade Federal de São Paulo, considera que, se antes a comunidade médica já se preocupava com o fato de as pessoas sofrerem com bulimia ou anorexia nervosas, preocupa mais ainda a inclusão do álcool a isso.
“A anorexia nervosa é o transtorno alimentar que mais mata, se é associada ao álcool, então, é muito mais grave. E ainda tem o agravante que não é fácil o tratamento, pois nem sempre o paciente quer ou admite que tem o problema”, avaliou.
A médica Maria Del Rosário também observou que o fato de o problema não ter nem sido reconhecido ainda pela comunidade médica pode ser explicado pela omissão do doente.
“É só pensarmos que o paciente, na maioria das vezes, não vai contar que bebe, aí se torna um comportamento que ninguém percebe”, comentou. Por isso, disse ela, é importante que os pais e amigos fiquem atentos aos primeiros sinais. “Excesso de bebida alcoólica, vômitos, emagrecimento rápido, vai direto para o banho depois que come e aproveita para vomitar depois que liga o chuveiro, entre outros”, alertou.
Inversão de valores: estética em detrimento à saúde
As consequências de quem abusa do álcool, ainda mais quando substitui uma refeição pela bebida, certamente serão desastrosas. Segundo os médicos, o abuso do álcool, além de levar à dependência, pode causar sérios problemas no fígado, no estômago, no coração e no sistema imunológico.
Em casos graves, pode até levar à morte. Segundo o psiquiatra do Programa de Orientação em Assistência a Pacientes com Transtornos Alimentares (Proata) da Universidade Federal de São Paulo, Glauber Higa Kaio, 12,4% dos pacientes que têm bulimia nervosa consomem álcool, sendo que a maioria já é dependente.
“E são nos distúrbios do tipo purgativo que há o consumo do álcool”, informou. E o problema é difícil de resolver porque o próprio paciente até entende que está se prejudicando, mas a busca da estética é muito mais forte. “A questão da forma do corpo, de querer emagrecer, é muito mais importante para eles do que as consequências cardíacas e estomacais”, contou o médico.
Na anorexia nervosa, 50% dos pacientes se curam, 10% morrem ou continuam com o sintoma, 15% passam a sofrer com bulimia, e 15% chegam à remissão parcial dos sintomas. Na opinião do psicoterapeuta da Universidade de São Paulo (USP), Marco Antônio Tommaso, é preciso rever os conceitos de estética.
“Só 1% das mulheres brasileiras se acha bonita. Precisamos de grandes campanhas, tanto empresariais como do governo, para mudar um esse padrão de beleza que é considerado o único por muitos. A oferta de bebidas é grande e não podemos esquecer que de 10% a 12% das pessoas têm predisposição para desenvolver o alcoolismo”, analisou. (MA)
Entenda os termos que caracterizam os transtornos alimentares
É importante esclarecer as diferenças entre os mais diversos transtornos alimentares. A anorexia nervosa tem dois tipos: o restritivo, que é aquele em que a pessoa perde peso fazendo jejum, comendo pouco ou fazendo atividade física em excesso; o tipo de compulsão periódica/purgativo, que é aquele em que a pessoa come muito, perde o controle com a alimentação e depois usa um laxante um diurético ou um enema para evacuar (enema é uma espécie de
substância irritativa que é colocada no reto para evacuar).
A bulimia nervosa também tem dois tipos: a primeira é o tipo purgativo, quando a pessoa come muito e provoca a evacuação com diuréticos, laxantes, vômitos ou enemas; e o outro tipo é o nãopurgativo, quando a pessoa come pouco, faz jejum ou muita atividade física. O tipo purgativo é o mais comum, segundo os médicos.
O termo é “anorexia nervosa” e não somente “anorexia”, pois anorexia significa “falta de apetite”, e uma pessoa pode sentir essa falta em outras situações, como em uma doença grave, por exemplo. A bulimia também deve ser chamada de “bulimia nervosa”, se for caracterizada como um transtorno alimentar. (MA)