Há muito, os jogos de tabuleiro que juntavam a garotada por horas a fio durante as tardes – os famosos Banco Imobiliário, War ou Jogo da Vida, por exemplo – cederam espaço à diversão simultânea com os jogos eletrônicos. Mas enquanto os primeiros não comportavam mais do que alguns poucos jogadores, um gênero recente faz com que literalmente milhares de pessoas passem mais de 200 horas mensais em frente ao computador. São os MMOGs, sigla para Massive Multiplayer Online Games, chamados também de RPG On-line.
A febre dos MMOGs explodiu primeiramente em países orientais, como Coréia do Sul e Japão, e depois avançou para os mercados europeu e dos Estados Unidos. No Brasil, país onde os internautas batem recorde de navegação, esse gênero dificilmente passaria incólume. Para ser considerado um MMOG, o jogo deve conter, por regra, mais de mil jogadores participando simultaneamente. Em países como a Coréia, há jogos que participam mais de 500 mil players simultâneos.
"É como ter uma segunda vida dentro do jogo", diz Andrea Bedricovetchi, diretora-geral da Level Up!, empresa responsável por trazer ao Brasil o MMOG Ragnarök, que tem uma das maiores comunidades de jogadores on-line no País. "Esse tipo de jogo, mais do que o desafio, é uma ferramenta para relacionamentos na internet. Por isso, a maior característica deles é a comunidade que se forma em torno do jogo", completa.
Ragnarök é um RPG, e como tal, o jogador assume o papel de um personagem da história. Para isso, pode escolher desde a roupa até a cor do cabelo. Tudo é personalizável, para que haja maior identificação da persona real com a persona virtual. As ações acontecem num mundo persistente, ou seja, que continua dinâmico mesmo quando o usuário está off line. É como na vida real: você vai dormir, mas várias coisas continuam acontecendo lá fora, com algumas podendo influenciar seu dia de amanhã.
Dentro dos MMOGs, criam-se mundos paralelos onde o personagem se desenvolve, luta com monstros, com outros jogadores e precisa ir subindo de experiência, podendo fazer alianças com outros jogadores. São os clãs. Com eles, é possível até comercializar objetos (muitas vezes as trocas extrapolam os sites dos games com usuários fazendo transações particulares). A idéia de desenvolver seu personagem e interagir e interpretar os outros, como num RPG, também perpassa os títulos. "Temos mais de 8 mil clãs, e é esse tipo de interação que cria as comunidades. Porque os jogadores se conhecem em Ragnarök, mas sempre se encontram no mundo real, virando amigos", explica Andrea.
As empresas faturam, e alto, quanto mais gente estiver jogando. Para jogar Ragnarök, baixa-se o jogo do site e pode-se jogar por sete dias gratuitamente. Depois, o interessado pode fazer uma assinatura mensal ou comprar créditos, como de telefones pré-pagos, que são vendidos em lojas de games e locadoras. "A média de tempo que nossos jogadores passam jogando o game é de 120 horas mensais". Lançado oficialmente no início de 2005, o jogo tem cerca de 900 mil jogadores, já tendo recebido até 50 mil deles ao mesmo tempo.
Alguns multiplayers on-line que fogem ao estilo RPG também costumam ser populares. Esses títulos são considerados casual games e FPS (jogo de tiro em primeira pessoa, como o lendário "Doom"). No Brasil, o mais conhecido é o GunBound, da OnGames. Lançado em agosto de 2004, foi o pontapé inicial da mania no Brasil. "Somos a maior comunidade de MMOGs do Brasil, com 1,6 milhão de jogadores cadastrados para os nosso três títulos", explica Roberto Messias, gerente de Marketing da OnGames. Além de GunBound, a empresa tem o Pang Online e o novíssimo W.Y.D. (With Your Destiny), RPG que ainda está em versão beta, ou seja, em testes, mas que já atrai muitos jogadores.
Quem faz a "brincadeira"
Os games já deixaram de ser coisa de criança há muito tempo. A indústria mundial de jogos já fatura mais do que a de Hollywood e o segmento de jogos on-line é o que mais cresce, tendo uma previsão de movimentar US$ 10 bilhões em 2009. Mas a maioria dos MMOGs, ao contrário de outros gêneros, é feito na Coréia do Sul e modificados para a realidade brasileira. O país asiático virou terreno fértil para o MMOG devido a uma medida protecionista que barrava a importação de games e consoles do vizinho Japão (país das importantes Sega, Sony e Nintendo), e por isso viu os gêneros de jogos para PC explodir em seu território.
Com algumas políticas governamentais de acesso à banda larga, os jogos on-line transformaram o país em verdadeiro laboratório para experiências sobre os games que ultrapassavam os três dígitos em números de jogadores. Mas o Paraná também tem o seu MMOG. Criação da Ignis Games, o Erinia foi o primeiro título de MMOGs lançado comercialmente no País e também o primeiro produzido com tecnologia e mão-de-obras nacionais. Sua inauguração ocorreu em maio de 2004. O jogo, que traz ambiente medieval e monstros inspirados na mitologia fantástica brasileira, tem base de 35 mil assinantes e já conta com uma versão alemã, lançada em janeiro de 2005.
Games que agradam tanto crianças quanto adultos
O curitibano Lucas Vaz Machado, de 11 anos, adora jogar Ragnarök. Há nove meses no mundo medieval do game, explica que passa de 3 a 4 horas por dia em frente ao PC. Dentro da comunidade do jogo, conhece diversas pessoas, mas fora algumas poucas. "Dois colegas da escola também jogam e conheci outras jogadores num evento que teve em uma lan-house", conta. No mundo dos MMOG, Lucas é exceção. "O que percebemos é que a maioria das pessoas que jogam nossos títulos acabam se conhecendo na vida real", explica Roberto Messias, da OnGame.
É o caso do também curitibano Luiz Pacheco, de 22 anos, que joga GunBound há mais de um ano. "Sempre organizamos encontros do nosso clã e fiz alguns bons amigos no mundo real", diz. Terminando a faculdade de Engenharia da Computação, Luiz diz que não passa tanto tempo quanto gostaria jogando, pois acredita que os MMOGs, ao contrário do que muita gente aponta, não tem nada de solidão. "Tem muita gente que nem se importa muito com o resultado dos jogos, se preocupando mais em aumentar a rede de relacionamentos", diz.
Para o doutora em Sociologia Maria de Fatima Borges Burgos, da Universidade de Brasília, as comunidades em torno dos games não têm nada de nocivo. "Ao contrário: criam relacionamentos e são até mesmo formas de pessoas mais tímidas poderem encontrar outras com os mesmos gostos", diz. Na sua tese, Comunidades virtuais e novas formas de sociabilidade: panoramas possíveis para uma sociedade em rede, Maria de Fatima afirma que os novos tipos de jogos de salão virtual são uma nova forma de comunidade e os compara com as artes performáticas, como o teatro de rua. Mas continua que eles também são promotores de mundos para uma interação social anônima, onde cada pessoa pode, conforme lhe convenha, desempenhar um papel o mais semelhante ou o mais diferente possível da sua "identidade real".
Preocupações
Mas não raro a mídia noticia casos no mínimo questionáveis de "viciados" nesse tipo de games, normalmente oriundos da Coréia do Sul. Ao menos duas pessoas no país asiático já morreram literalmente de tanto jogar. Passaram horas seguidas em lan-houses e morreram por falta de descanso e comida. Outro caso, mais extremo, um jogador matou um amigo porque esse vendeu uma arma virtual que o primeiro havia lhe emprestado dentro do jogo.
"Um sobrinho meu já chegou a ser ameaçado fisicamente porque se fez passar por uma menina dentro do game para conseguir favores", aponta Maria de Fatima. Mas para a doutora, isso não seria causado pelo hábito de jogar, e sim, pelo caráter de cada um. "O jogo, principalmente o jogado em comunidade, não impele ninguém à violência. Realmente as pessoas tendem a assumir com muita profundidade as personagens, mas o que você é na vida real, irá se refletir no mundo virtual", explica.
Rita Vaz Machado, mãe de Lucas, conta que quando o garoto começou a jogar, foi obrigada a mediar o tempo que ele passava em frente ao computador, mas que hoje ele já sabe o próprio limite. "Ele faz diversas outras atividades, como esportes, e acho que o jogo tem um grande papel no desenvolvimento mental de Lucas", afirma. (DD)
Títulos atualmente têm servidores no País
Até pouco tempo, os brasileiros que quisessem participar de um MMOG deveriam entrar em comunidades de títulos com servidores internacionais. Na prática, isso significava necessidade de dominar outra língua (principalmente o inglês), acesso um pouco mais lento e dificuldade de comprar objetos e assim evoluir seu personagem. Todos os títulos citados na reportagem atualmente têm servidores no País, o que facilita a vida dos amantes do gênero.
Você encontra os jogos de MMOGs disponíveis para download nos sites das empresas. Para poder aproveitar satisfatoriamente das aventuras e fazer amigos, é preciso ter uma conexão de banda larga. Normalmente, esse gênero não exige muito poder de processamento, mas você encontra os requisitos básicos nas páginas de cada um deles. O preço para jogar, também varia de título para título, porém todos oferecem um período de teste gratuito.
Os sites são: Ragnarök (http://www.levelupgames.com.br/), GunBound (http://www.gb ound.com.br) Erinia (http://www.erinia.com.br), W.Y.D.(www.wyd.com.br)