A contribuição dos holandeses à astronomia

Para comemorar os 350 anos da reconquista da Capitania de Pernambuco pelos luso-brasileiros e os 400 anos do nascimento do Conde João Maurício Nassau-Siegen, o Museu Histórico Nacional (MHN), em parceria com o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), realizou, nesta semana, um seminário internacional e uma exposição sobre a presença holandesa no Brasil, que teve uma grande importância para a astronomia. Com efeito, pois, durante a administração de Mauricio de Nassau foi instalado o primeiro observatório astronômico do hemisfério sul.

Pioneiro no uso da luneta astronômica no Brasil e primeiro cientista que instalou um observatório astronômico em terras americanas, Georg Markgraf, astrônomo convidado por Nassau para pesquisar o céu austral -, nasceu na cidade de Liebstadt, próximo à cidade de Mísnia (em alemão Meissen), na Alta Saxônia, Alemanha, a 20 de setembro de 1610 (no velho estilo), às 19 horas. A data e local de nascimento são confirmados pelo registro de batismo na igreja de sua cidade natal e a hora pelo horóscopo que elaborou. Faleceu na África Ocidental em dia ignorado de julho ou agosto de 1644. Sua mãe – Elisabeth Simon – era filha de um pastor. Seu pai, cujo nome ignora-se, era membro de uma tradicional família de Liebstadt. Markgraf freqüentou a mais bem equipada escola local, onde aprendeu latim, grego, música e desenho. Sua educação foi muito aprimorada, graças à dedicação do pai e do avo materno, homens cultos, com conhecimentos de teologia, latim, grego, que logo descobriram os talentos do jovem Georg. Aos dezesseis anos, mais exatamente em 16 de abril de 1627, Markgraf deixou a cidade natal e começou a viajar, visitando as mais diversas universidades européias com o objetivo de aprimorar suas vocações e tendências para os estudos científicos, para a música e para a pintura. Nove anos mais tarde, matriculou-se na Universidade de Leiden, em 11 de setembro de 1636. Nesse intervalo, estudou matemática, astronomia, botânica e medicina, em Strasburgo, na Basiléia, com Ingolstadt, Altdorf, Erfurt, Wittenberg, Leipzig, Greifswald, Rostock e Stettin.

Em Leiden, dedicou-se à observação de manchas solares, sendo que as mais antigas datam de 19 de janeiro de 1635. Um manuscrito encontrado em Leiden, referente às observações astronômicas do período preleideniano, datado de 1637, além de conter reduções de manchas solares observadas em 19 de janeiro de 1635 (novo estilo), colocou em evidência que Markgraf fez uso de um telescópio ainda nesta época, quando as primeiras observações das manchas solares constituíam um dos grandes motivos de discussões astronômicas. Convém assinalar que as primeiras observações telescópicas de manchas solares foram realizadas pelo astrônomo italiano Galileu Galilei (1564-1642) na época do nascimento de Markgraf.

Em uma delas, Markgraf registrou ter visto a Lua através do telescópio (per tubum) e em outros registros além de anotar a observação das manchas solares, assinalou os aspectos dos satélites de Júpiter. A mais importante anotação de natureza biográfica refere-se à vinda para a América do Sul em 18 de novembro, ao comentar que as nuvens interromperam suas observações. Em 1 de janeiro de 1638, Markgraf embarcou para o Brasil, onde chegou após 48 dias de viagem.

Aportou Markgraf em Salvador. Depois de curar-se de duas graves enfermidades que o acometeram na Bahia, transferiu-se para o Recife, onde começou a trabalhar para o Mauritia, onde Markgraf estudou os movimentos das estrelas e planetas, bem como outros fenômenos celestes. Entusiasmado com o trabalho do astronômo, Conde Maurício de Nassau, fez construir, em 1639, um observatório astronômico.

O eclipse de 20 de dezembro de 1638 – o primeiro da Lua observado cientificamente no Brasil, talvez nas Américas -, foi estudado por Markgraf, na nova cidade de Maurício, na ilha de Antônio Vaz. O início do fenômeno foi observado quando se determinou a altura de Procion sobre o horizonte. Fixou-se a imersão, a emersão e o final tomando-se a altura das estrelas com um quadrante de um pé apenas de raio (30cm). No momento da observação, o observatório ainda não tinha sido construído nem montado. Só em setembro de 1639, segundo relato encontrado no manuscrito de Markgraf, o primeiro observatório astronômico construído em território brasileiro estaria concluído.

O primeiro eclipse do Sol observado cientificamente nas Américas foi o de 13 de novembro de 1640, na ilha de Antônio Vaz, em Pernambuco, por Markgraf, que havia calculado previamente as características principais do fenômeno para esta ilha. Apesar de ter sido perturbado pela nebulosidade, Markgraf conseguiu determinar a altura meridiana do Sol no começo, meio e fim do fenômeno, assim como a orientação dos cornos verticais do eclipse. O aspecto do eclipse na fase máxima foi representado no Tractatus topographicus et meteorologicus Brasiliae cum eclipsi solaris, e, mais tarde, reproduzido na obra do De Indiae utriusque re naturali et medica (Elzeviers1658), de Willem Pies, mais conhecido pelo nome latinizado Guillielmus Piso (1611-1678). naturalista e médico particular do Príncipe Maurício de Nassau. Acredita-se que os cálculos provenham das efemérides do astrônomo alemão Lorentz Eichstadt (1596-1660), com as quais Markgraf trabalhou durante seu estágio em Stettin. A linha de centralidade deste eclipse passou pelo norte-nordeste do Brasil quase em linha reta: um pouco ao sul de Manaus e um pouco ao norte de Ilhéus, na Bahia. Na ilha de Antônio Vaz, a magnitude máxima do eclipse foi de 0,82, ao meio dia, quando a observação foi quase totalmente obstruída por nuvens. Uma reprodução do aspecto deste eclipse, de autoria do próprio Markgraf, encontra-se na obra de Gaspar Barlaeus, Rerum, per octennium in Brasilia (Amstelodani, Joannis Blaev, 1657).

Além deste eclipse, Markgraf observou quatro eclipses da Lua, uma ocultação de Mercúrio pela Lua, a uma conjunção de Vênus com Saturno. Seu interesse pelos eclipses estava naturalmente baseado na necessidade, da época, em obter as posições geográficas mais precisas possíveis. De fato, a observação dos eclipses, além de servir para determinar a longitude e latitude do local de observação, permitia o aperfeiçoamento das tabelas lunares então existentes.

Outro eclipse assistido por Markgraf – o segundo da Lua observado cientificamente no Brasil, talvez nas Américas – foi o eclipse lunar de 14 de abril de 1642, observado no forte de Ceulen, na foz do rio Potengi, Rio Grande do Norte. No estudo e descrição dos eclipses da Lua, Markgraf servia-se de uma estrela, em geral brilhante, cuja posição (altura) no céu era determinada simultaneamente ao longo das diferentes fases do eclipse.

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão

fundador e primeiro diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins, no qual hoje é pesquisador-titutar, e autor de mais de 70 livros, entre outros, do “Astronáutica do sonho à Realidade A história da Conquista Espacial”.

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www.ronaldomourao.com

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