O terremoto de Lisboa, que ocorreu em 1 de novembro de 1755, às 9h20 da manhã. Foi um dos mais destruidores e assassinos da história, tendo provocado a morte de mais de 100 mil pessoas. O sismo foi acompanhado por um tsunami, com ondas que parecem ter alcançado a altura de 20 metros, e de múltiplos incêndios que destruíram quase a totalidade da cidade de Lisboa e grande parte do litoral do Algarves.
Este foi o primeiro abalo sísmico objeto de um estudo científico que contribuiu para a criação da sismologia moderna. Os sismologistas da nossa época estimam que o terremoto pode ter alcançado a magnitude nove na escala Richter. As causas geológicas do terremoto e da atividade sísmica na região de Lisboa são ainda motivo de debate científico. Apesar de existirem indícios geológicos da ocorrência de grandes abalos sísmicos com a periodicidade de aproximadamente 300 anos, para alguns estudiosos, pelo fato de Lisboa encontrar-se no centro de uma placa tectônica, não existe motivo que justifique a ocorrência de um terremoto tão intenso. No entanto, para outros geólogos o seu epicentro situou-se no Oceano Atlântico, a cerca de 200 quilômetros ao sudoeste do Cabo de São Vicente, e deve estar relacionado com a zona de subducção existente nesta região do Oceano Atlântico.
Além de ter intensificado as tensões políticas internas em Portugal, o terremoto de Lisboa perturbou profundamente as ambições e as pretensões coloniais lusitanas no século XVIII, causando um enorme impacto na sociedade mundial. Com efeito, esta catástrofe aconteceu em pleno Século das Luzes, quando foi amplamente discutido pelos filósofos europeus chocados pela tragédia, o que inspirou diversas análises sobre o tema sob o ponto de vista teológico e sublime.
O abalo sísmico
O terremoto foi sentido na manhã do feriado católico do dia de Todos os Santos, em 1 de novembro. Os relatos da época permitem estimar que o abalo durou entre três e seis minutos, causando gigantescas fissuras de cinco metros que cortaram o centro da cidade de Lisboa. Os sucessivos desmoronamentos fizeram com que os sobreviventes procurassem refúgio nas áreas descobertas, em especial na zona portuária. Aos que conseguiram alcançar o cais foi permitido que assistissem ao refluxo das águas, que lhes revelou o fundo do mar, cheio de destroços de navios e cargas perdidas. No entanto, algumas dezenas de minutos depois, um enorme tsunami de 20 metros fez submergir o porto e o centro da cidade antes que alcançasse o rio Tejo. Esta primeira vaga foi seguida por duas outras. As regiões não atingidas pelo tsunami foram destruídas pelos incêndios que perduraram por cinco dias.
Lisboa não foi a única cidade portuguesa afetada pela catástrofe: a destruição alcançou todo o sul do país, em particular o Algarves, espalhando destruição generalizada. As ondas de choque do sismo foram sentidas em toda Europa até a Finlândia. Outros tsunami, com cerca de 20 metros de altura, varreram as costas da África do Norte, atravessaram o Oceano Atlântico até Martinica e Barbados. Uma onda de três metros de altura chocou-se contra as costas sul da Inglaterra.
Entre os 250 mil habitantes de Lisboa, mais de 90 mil encontraram a morte e 10 mil perderam a vida do outro lado do Mar Mediterrâneo, em Marrocos. Cerca de 85% dos prédios de Lisboa foram destruídos, dentre eles os mais célebres dos seus palácios, notáveis exemplos de uma arquitetura manuelina do século XVI, tipicamente portuguesa.
Os prédios não atingidos pelo abalos, foram destruídos pelos incêndios que seguiram. A Casa da Ópera, recentemente construída, batizada com o nome premonitório de Ópera Phoenix, foi reduzida a cinzas. O Palácio Real, situado às margens do Tejo, onde hoje existe o Terreiro do Paço, foi também destruído pelo terremoto e pelo tsunami; no seu interior existia uma Biblioteca Real de 70 mil volumes que se perderam assim como centenas de obras de arte, inclusive pinturas de Ticiano, Rubens e Correggio. O valiosíssimo Arquivo Real com seus preciosos documentos, dentre eles os relatórios detalhados das expedições marítimas realizadas por Vasco da Gama e outros navegadores foram consumidos pelo fogo. O terremoto destruiu também as maiores igrejas de Lisboa, dentre elas a Catedral de Santa Maria, as basílicas de São Paulo, Santa Catarina, São Vicente de Fora e a igreja da Misericórdia. O Hospital Real de Todos os Santos, o maior da época, foi consumido pelo fogo, provocando a morte de centena de doentes. As ruínas do Convento do Carmo, que ainda podem ser visitadas no centro da cidade, foram preservadas com o objetivo de recordar a catástrofe e a tragédia vivida pelos lisboetas.
Diversos animais ao pressentirem o perigo fugiram para os pontos mais altos antes da chegada das águas. O terremoto de Lisboa foi o primeiro caso histórico em que esse comportamento foi observado e estudado. A destruição da cidade de Lisboa, além de colocar em cheque as ambições do império português da época, teve um profundo impacto junto à intelectualidade européia do século XVIII, que procurou explicar o cataclismo por meio de sistemas religiosos e racionais. Os filósofos do Iluminismo, em especial Voltaire e Rousseau, escreveram sobre esse terrível desastre geológico. O próprio conceito filosófico de sublime desenvolvido por Emmanuel Kant foi em parte inspirado na tentativa de compreender essa catástrofe.
Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é astrônomo e fundador e primeiro diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins, autor de mais de 75 livros, entre outros livros, do Explicando a Teoria da Relatividade. Consulte a homepage: www.ronaldomourao.com
Família real escapou ilesa porque estava fora da cidade
Por sorte, a família real escapou ilesa à catástrofe. O rei Dom José I e a corte haviam se ausentado da cidade logo após terem assistido à missa ao amanhecer. Quando ocorreu o terremoto eles se encontravam em Santa Maria de Belém. A ausência do rei ocorreu em virtude da vontade expressa pelas princesas que desejavam passar o feriado fora da cidade. Depois da catástrofe, Dom José I e a corte se instalaram num gigantesco complexo luxuoso de tendas no Alto da Ajuda, em Lisboa. Dominado pela claustrofobia gerada pelo impacto dos efeitos do tsunami, Dom José viveu o resto da vida neste complexo, pois detestava os recintos fechados.
Assim como o Rei, o Marquês de Pombal (Sebastião José de Melo) sobreviveu à tragédia. Com o pragmatismo que caracterizou todo o seu governo, atribuem-no a seguinte diálogo:
– E agora?
– Enterrem os mortos e alimentem os vivos.
Imediatamente, determinou que organizassem os socorros e dessem início à reconstrução da região atingida pela catástrofe. Enviou para as cidades as equipes de bombeiros para extinguir as chamas o mais rapidamente possível, e encarregou os sobreviventes de reunir os milhares de cadáveres. Dispondo de pouco tempo para essa tarefa macabra, procurou fazê-la o mais prontamente possível para evitar o surgimento de epidemias. Contrariamente ao costume, e apesar dos desejos expressos pelos representantes da Igreja, a maior parte dos corpos foi embarcada e subemergida ao longo da foz do Tejo; para impedir a desordem na cidade e evitar as eventuais pilhagens, catafalsos com forcas foram erguidos nos pontos mais visíveis das cidades; pelo menos 34 pessoas foram executadas.
O exército português foi convocado para contornar a cidade e impedir a fuga dos habitantes em condições de trabalhar, que foram mobilizados com a finalidade de remover as ruínas. Logo depois da crise, o Primeiro Ministro e o Rei contrataram arquitetos e engenheiros. Em menos de um ano, Lisboa estava livre das suas ruínas. Ao mesmo tempo, iniciava-se a reconstrução. O Rei aproveitou esta ocasião para edificar uma cidade nova e perfeitamente planejada, com grandes praças e largas avenidas que caracterizam a nova Lisboa. Na época, questionava-se sobre a utilidade de ruas tão espaçosas, ao que respondia o Marquês de Pombal: ?um dia elas serão pequenas?. Com efeito, o tráfego caótico da Lisboa do século XXI não deixa de lhe dar razão.
Os prédios construídos sobre a administração de Pombal constituem os primeiros exemplos de construção anti-sísmica no mundo. Pequenos modelos em madeira foram construídos com a finalidade de serem submetidos a testes, quando tremores de terra artificiais foram simulados, fazendo desfilar tropas ao seu redor. O novo centro da cidade de Lisboa, conhecido atualmente como a ?baixa-pombalina?, constitui uma das atrações turísticas da cidade. Outros quarteirões das vilas portuguesas também foram construídos segundo os princípios determinados pelo Marquês de Pombal, como por exemplo, a Vila de Santo Antônio, no Algarves.
Conseqüências sociais e filosóficas do terremoto
O terremoto não abalou unicamente as cidades e os edifícios. Capital de um país profundamente católico, Lisboa era considerada por seus habitante e pela tradição do seu esforço de evangelização nas colônia como uma nação que não poderia ser alcançada pelo castigo divino. Por outro lado, o fato da catástrofe ter ocorrido num feriado religioso, durante uma das mais importantes festa católica e, por outro lado, a destruição das igrejas mais importantes da cidade provocou enorme impacto na teologia e na filosofia do século XVIII, pois dificilmente poder-se-ia explicar que a cólera divina se manifestasse tão violentamente num país tão devoto às causas religiosas. O tremor de terra teve uma grande influência nos pensadores europeus nos Séculos das Luzes. Vários dentre eles, mencionara ou fizeram alusão a esse evento em suas obras, dentre eles, Voltaire no conto filosófico Candide (1759) ou no seu poema sobre o desastre de Lisboa. A natureza arbitrária com a qual as pessoas morriam ou sobreviviam foi assinalado por Voltaire na crítica ao melhor dos mundos possíveis, que se opunha a Leibniz.
Como escreveu Theodor Adorno, em 1966, ?o tremor de terra de Lisboa foi suficiente para curar Voltaire da sua teoticidade de Leibniz?. Outros autores do século XX, depois de Adorno, têm associado esta catástrofe a um holocausto no sentido de que os dois eventos tiveram um impacto suficiente para revolucionar e transformar a cultura e a filosofia européia.
O conceito filosófico de sublime, embora tenha aparecido antes de 1755, foi muito valorizado por Emmanuel Kant, que tentou tirar todas as possíveis implicações do terremoto de Lisboa. Aliás, fascinado pela catástrofe, Kant reuniu todas as informações que lhe foram acessíveis sobre o terremoto, utilizando-os para formular em três textos sucessivos uma teoria sobre a causa dos sismos. Sua teoria, que repousava sobre o movimento de gigantescas cavernas subterrâneas cheias de gases quentes, foi recusada pela ciência moderna. Apesar não ter sido aceita como verdadeira, ela representou, no entanto, a primeira tentativa de explicação de um terremoto por fatores naturais e não sobrenaturais. Segundo Walter Benjamin, esta contribuição de Kant, representa provavelmente o início da geologia científica na Alemanha, e muito provavelmente da sismologia.
Werner Hamacher sugeriu que o tremor de terra teve um grande impacto sobre o vocabulário filosófico e fragilizou a metáfora tradicional do fundamento das teorias: ?sob a influência do tremor de terra de Lisboa, que alcançou o espírito europeu em uma época mais sensível, a metáfora do fundamento tem completamente perdido a sua aparente inocência; a partir de então ela não passou de uma simples figura de estilo?. Hamacher afirmou que as certezas bem fundamentadas de René Descartes começaram a ser aceitas depois desse abalo sísmico.
Para a vida política interna de Portugal, o tremor de terra foi devastador. O primeiro ministro do rei era um favorito, mas a aristocracia desprezava as suas origens simples (o título de Marquês de Pombal, lhe foi outorgado em 1770). O primeiro ministro, pelo seu lado, detestava os nobres que considerava corruptos e incapazes de qualquer ação merecedora de confiança. Antes do 1.º de novembro de 1755, a luta pelo poder e os favores do rei eram constantes, mas a extrema competência que o Marquês mostrou pelos seus atos, após a catástrofe, teve um efeito de atenuar ou mesmo eliminar as críticas das facções aristocráticas do poder. Uma oposição silenciosa e maldosa começou a se formar contra o rei Dom José I, que atingiu o seu paroxismo quando da tentativa do assassinato do rei, seguida da eliminação do todo poderoso Duque de Aveiro e da família Távora. (RRFM)
Pesquisa em geofísica é saída para minimizar impactos das catástrofes
O terremoto de 26 de dezembro de 2004 causou o deslizamento horizontal de 10 a 15 metros na interface entre as placas da Índia e da Ásia, e uma ruptura da crosta terrestre de 500 a 600 km de comprimento e 150 km de largura. Ao sul e a oeste da ponta norte de Sumatra, o sismo liberou subitamente forças e deformações acumuladas há séculos. Em menos de 4 minutos, as ondas de choque sacudiram toda a província de Aceh, devastando-a quase totalmente, ao mesmo tempo em que provocou o maior tsunami transoceânico em 40 anos, o qual investiu a oeste para a Índia, Sri Lanka, e as Maldivas, e a leste para Sumatra, Tailândia e a Malásia. Por onde passou deixou um rastro de destruição e morte jamais registrado. Matou mais do que nenhum outro na história.
No entanto, se o fenômeno que atingiu Lisboa, em 1755, provocando a morte de cerca de 40% da população, tivesse acontecido com a atual população de Lisboa (cerca de 2.500.000) o número de vítimas seria superior e poderíamos considerá-lo como muito mais mortífero do que o tsunami ocorrido na Indonésia.
Dentro do conceito de ecologia cósmica, – segundo o qual somos parte do megaecosistema que constitui o universo -, demonstramos que a ausência por um longo intervalo de tempo de um fenômeno sísmico, numa determinada região, não significa que ele jamais vai se repetir de novo neste sítio. Quanto mais tempo a natureza estiver calma, não devemos esquecê-la. Algo está sendo preparado. Na realidade, os grandes arquitetos das nossas paisagens terrestres são as forças acumuladas e desencadeadas pelos sismos que constroem e destroem todos os relevos do nosso planeta.
Diante das últimas catástrofes naturais, a única saída capaz de reduzir o número de vítimas e os prejuízos materiais será a decisão dos governos em aplicar mais recursos nas pesquisas em geofísica. É vital continuar realizando as observações do nosso planeta na fronteira das técnicas existentes, procurando conhecer e compreender o funcionamento das falhas tectônicas. À medida que melhor o conhecemos, mais confiável será o sistema de alerta que deverá ser constantemente alimentado e aperfeiçoado pela pesquisa. Nenhum domínio exige um apoio, e um investimento cada vez maior por um período mais longo, do que este setor de pesquisa. (RRFM)