Faz 120 anos que, além de dividir o globo terrestre em vinte quatros fusos horários, se adotou o meridiano de Greenwich como a origem das longitudes, e se difundiu o tempo universal. Se bem que sua aceitação por todos os países tenha levado alguns anos, foi o desenvolvimento, de início, dos meios de transportes cada vez mais rápidos e, mais tarde, dos meios de comunicações que impuseram uso de um tempo universal por todas as nações do planeta.
Desde a antigüidade até o início do século XIX, o homem disciplinou suas atividades pelo Sol. Apesar das desigualdades dos dias solares em diversas épocas do ano, os relógios públicos e mesmo os relógios mecânicos dos particulares foram durante muitos anos acertados em base no tempo verdadeiro fornecido pelos relógios de Sol. Entretanto, desde cedo os astrônomos foram obrigados a utilizar um tempo médio.
Como a diferença entre o tempo médio e o tempo verdadeiro não excedia 16 minutos, tal defasagem foi imperceptível para o homem comum durante muitos anos. Assim, o inconveniente do tempo solar verdadeiro ser variável ao longo dos anos, só se tornou aparente ao povo com o desenvolvimento dos relógios mecânicos de precisão. De fato, até o século XVIII, os relógios capazes de conservar um tempo muito uniforme estavam ao alcance apenas das famílias abastadas. Foi no início do século XIX que os relógios começaram a se tornar cada vez mais precisos e também de acesso mais fácil ao homem comum. Desse momento em diante, passou-se ao emprego do tempo uniforme, em vez de se conservar o tempo variável do Sol. Tal substituição do tempo solar verdadeiro pelo tempo médio ocorreu em Genebra em 1789, na Inglaterra em 1792, em Berlim em 1810, em Paris em 1816 e no Brasil no segundo quartel do século XIX.
Em razão da forma e rotação da Terra, cada meridiano possuía a sua hora própria: uma hora média local que não variava de maneira sensível de um ponto a outro, quando não se consideravam pontos muito afastados. Ao contrário, para duas localidades muito distantes em longitude, com os dois pontos extremos dos EUA, a situação era chocante. Assim, quando era meio-dia em Nova York, o Sol acabava de nascer em São Francisco.
Tais desvantagens só se tornaram sensíveis e começaram a prejudicar as atividades normais do homem com o advento da estrada de ferro, por volta de 1825. Até então em virtude da lentidão dos meios de transportes, por coches ou diligências, o viajante não percebia ao chegar a ponto de destino que a hora do seu relógio não coincidia com a hora do lugar. A diferença entre a hora local de partida e a de chegada acabavam-se confundido com as irregularidades da marcha das pêndulas e relógios. Vivia-se, sem grandes inconvenientes, sob o regime da hora local.
Com a estrada de ferro, surgiu um grave inconveniente: a cada estação que o trem parava os relógios das gares marcavam uma hora diferente. Era necessário pelo menos fazer com que os relógios marcassem uma mesma hora numa mesma rede de estrada de ferro. Tal unificação se tornou possível com a descoberta do telégrafo e dos relógios elétricos. Assim, surgiu a hora da gare que substitui a hora local para todas as atividades da vida mundana.
O país que primeiro avançou neste campo foi a Inglaterra, que, em 1848, legalizou a hora média de seu principal observatório, em Greenwich, como a hora nacional da Inglaterra e da a Escócia. Logo depois, em 1891, a França iria institucionalizar a hora média do Observatório de Paris como sua hora nacional.
Realmente, em 1852, o astrônomo inglês George Airy (1801-1892) instalou dois relógios sincronizados ao do Observatório de Greenwich por fios subterrâneos, nas estações de Lewisham e de London Bridge, respectivamente a quatro e a 10 km de distância do Observatório. Por outro lado, um outro relógio, sincronizado também com o de Greenwich, foi ligado à companhia de telégrafos, em Londres. Desde modo, os sinais horários distribuídos às estações de estrada de ferro e aos postos de telégrafos atingiam todo o território inglês. Surgiu, assim, o Railway Time, tempo da estrada de ferro, que foi utilizado em todo o país desde 1852.
Ronaldo Rogério de Freitas Mourão (www.ronaldomourao.com) é fundador e primeiro diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins.
Necessidade de padronização
O primeiro homem nos EUA com senso da necessidade de uma padronização no sistema horário foi o astrônomo amador William Lambert (1779-1851), que em 15 de dezembro de 1809 apresentou no Congresso um memorial para que fosse estabelecido um sistema de fusos horários no seu país. A idéia não foi aceita. Apesar de amador, a sua visão do futuro teria que esperar mais 60 anos.
Com o desenvolvimento da navegação e a instalação dos cabos submarinos, ligando os continentes através dos telégrafos, na segunda metade do século XIX, a necessidade de uma unificação das horas nacionais em escala mundial tornou-se uma imposição.
De fato, em 1866, um cabo transatlântico ligando a Irlanda a Terra Nova foi lançado ao mar com sucesso pelo Great Eastern, o maior navio da época. Uma das primeiras aplicações desses cabos submarinos transatlânticos foi transmitir sinais horários entre os observatórios de Greenwich e de Harvard, naquele mesmo ano.
Atingiu-se assim outro lado do Atlântico, onde a ausência de sistema uniformizado se agravava à medida que a rede ferroviária se expandia: um viajante que saísse de Portland para Nova Iorque encontraria em sua viagem quatro tipos de tempo.
A solução do sistema dos fusos horários até hoje em uso foi sugerida, em 1870 numa brochura publicada pelo educador Charles Dowd (1825-1904), professor de Saratoga Springs, em Nova Iorque. Tratava-se de um sistema que dividia o globo terrestre em zonas de 15 graus de longitude desde o meridiano de Washington. Dois anos mais tarde, mais precisamente em 1872, Dowd reviu a sua proposta. Mais tarde essa idéia, aprovada pelo matemático astrônomo norte-americano Benjamin Pierce (1809-1880), pela Sociedade Meteorológica Americana etc., foi desenvolvida pelo engenheiro civil e ferroviário Sandford Fleming (1827-1915), funcionário das estradas de ferro do Canadá, que, como os EUA, tanto sofria pela sua extensão no sentido das longitudes, ou seja, no sentido leste-oeste, razão pela qual não podia se conformar com uma hora nacional única. Depois de 11 anos da proposição da idéia, em 18 de novembro de l883, a rede ferroviária dos EUA e do Canadá já estava normalizada em cinco fusos espaçados de 15º, tendo cada um a mesma hora do seu meridiano central. Tal sistema de fusos horários americanos substituiu as 75 horas locais que existiam antes. Com efeito, antes dessa padronização do tempo em time zones (zonas do tempo, expressão inglesa usada para fusos horários), usava-se o tempo local e a maioria das pequenas e grandes cidades usavam uma forma local de tempo solar, mantida pelos bem tecidos relógios das torres das igrejas.
O novo sistema de tempo padrão não foi aceito por todos. Um exemplo dessa resistência foi a cidade Detroit que conservou o seu tempo local até 1900, quando o conselho da cidade decretou que os relógios deveriam ser corrigidos de 28 minutos. Metade da cidade obedeceu e a outra metade recusou. Após um considerável debate a decisão foi anulada e a cidade voltou ao tempo solar. Em 1905, o tempo padronizado foi adotado pelo plebiscito popular.
Esse sistema consistia em escolher, sobre um mapa da Terra, um meridiano zero, considerado como o meridiano de origem. Deu um lado e de outro, traçavam-se os meridianos que eram distantes de 7.º 30′. Cada um destes, compreendia sobre a superfície do globo um segmento esférico de 15.º centrado sobre meridiano zero. Assim, constituindo este primeiro fuso do globo terrestre, constituía o primeiro fuso horário. (RRFM)
Instigando os esforços
Coube a Fleming instigar os esforços que conduziram a adoção da zona de tempo no Canadá e nos EUA, e, em conseqüência, o sistema começou a ser usado nas rodovias a partir de 1883 para padronizar os seus horários. Além do mais Fleming advogou a adoção de um tempo médio e de uma variação horária de acordo com as zonas de tempo. Foi o principal incentivador para que a International Prime Meridian Conference fosse organizada.
Aliás, desde de novembro de 1883, nos EUA, o uso dos fusos horários aumentou gradualmente, tendo em vista as vantagens que trazia para os usuários dos modernos meios de comunicação e transporte.
O problema da coordenação do tempo e das longitudes já havia sido discutido em sete conferências realizadas na Europa entre 1871 e 1883.
Em 1.º de outubro de 1884, os representantes de 25 nações: Alemanha, Áustria, Hungria, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Espanha, Estados Unidos, França, Inglaterra, Guatemala, Havaí, Itália, Japão, Libéria, México, Paraguai, Países Baixos, Rússia, São Domingos, Salvador, Suécia, Turquia e Venezuela, se reuniram em Washington com o objetivo de escolher um meridiano próprio a ser considerado como a origem para as longitudes e a uniformização do tempo sobre o globo.
Após três semanas de discussões, foram adotadas sete resoluções. A mais importante era a segunda: “A conferência propõe aos governos dos países representantes seja adotado como meridiano de origem o que passa pelo centro do instrumento de passagem do Observatório de Greenwich”.
Com resultado da Conferência de Washington, alguns anos mais tarde, o sistema de fuso horário, já em uso nos EUA, se tornaria mundial. Realmente, depois da Conferência de 1884, o interesse pelo novo sistema cresceu tendo uma aceitação cada vez maior. A partir de 1893, o Canadá e os EUA já haviam se associado para criar o seu sistema de fusos horários, usando Greenwich como meridiano origem.
A maioria dos países europeus adotou o sistema baseado no meridiano de Greenwich depois de 1907. A França e Portugal adotaram-no em 1911. Em 1913; a Irlanda em 1916; a Grécia em 1916, a URSS em 1927, a Holanda em 1940 e a última a adotá-lo foi a Libéria em 1972.
O Brasil o adotou depois da Conferencia Internacional da Hora, ocorrida no Observatório de Paris, em dezembro de 1912, quando foi criado o Bureau international de l’heure, cujo objetivo era coordenar as pesquisas e observações associadas à determinação da longitude. Depois desta participação do Brasil, a Lei 2784 determinou que a partir de primeiro de 1914, fosse adotado o sistema de fusos. (RRFM)
Tempo universal
Na Europa continental, como as redes ferroviárias se interligavam entre si, o sistema de hora era muito confuso. As companhias férreas utilizavam diversos sistemas: na Holanda, os relógios das gares marcavam a hora de Amsterdã; na Alemanha, utilizavam-se cinco horas (Berlim, Munique, Stuttgart, Karlsruhe e Ludwigshafen), se bem que o pessoal técnico das ferrovias usasse a hora de Berlim.
As necessidades práticas, finalmente, fizeram com que cada Estado utilizasse uma hora única para todo seu território, em geral a do seu principal observatório. Desde 14 de março de 1891, a hora legal na França era a do tempo médio de Paris. Na Alemanha, um discurso do político e militar prussiano Helmuth Karl Bernhard von Moltke (1800-1891), no Parlamento, em 16 de março de 1891, fez com que se adotasse uma única hora em lugar das cinco.
Assim, por imposição das estradas de ferro surgiram as horas nacionais.
A adoção das horas nacionais, se bem que resolvesse os problemas das vias férreas, foi uma simplificação que deixou subsistir uma série de anomalias. Assim, nos bordos do lago de Constança, que banha cinco países, contavam-se cinco diferentes horas oficiais ou nacionais: Suíça, Grande-Ducado de Bade, Wurtemberg, Baviera e Áustria. É muito fácil imaginar as confusões entre o horário dos barcos e os das estradas de ferro. Uma outra confusão advinha desse sistema: a situação anacrônica dos países com grande extensão territorial no sentido leste-oeste, como Rússia e Estados Unidos. (RRFM)