Uma proposta para mudar de vida para quem está na pobreza, sem as mínimas condições de moradia e sem a escolaridade para entender o que está acontecendo. A proposta para ganhar muito dinheiro em um lugar longe de casa rapidamente se torna atrativa. Envolvente, quem oferece o trabalho convence a pessoa que se tornou alvo. E, quem aceitou, pensa que está fazendo o que pode para mudar o rumo da própria vida e a de familiares. Mas o que era para ser um sonho vira um drama.

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A maioria das mulheres vítimas de tráfico de pessoas teve uma passagem parecida com a descrita anteriormente. Elas pensavam que trabalhariam em lanchonetes, restaurantes ou casas de família, mas foram enganadas e forçadas a fazer o que não queriam. Estima-se que 80% das pessoas traficadas em todo o mundo sejam mulheres. O tráfico pode ter quatro alvos: a exploração sexual, trabalho escravo, comércio ilegal de órgãos e adoção ilegal. No último caso, envolve principalmente crianças. As mães são convencidas a dar os filhos, muitas vezes porque não possuem condições de criá-los. Ou pessoas recrutadas pelo crime organizado roubam bebês para servir o esquema ilegal de adoção, inclusive com o envio das vítimas para outros países.

O drama do tráfico de pessoas foi escancarado durante a novela Salve Jorge, exibida neste ano pela RPC TV. A autora Glória Perez escolheu as personagens Morena (Nanda Costa) e Jéssica (Carolina Dieckmann) para mostrar toda a cadeia do tráfico, desde os aliciadores até os chefões, além do sofrimento das vítimas. Os criminosos tiram todos os seus documentos, criam dívidas e ainda impedem qualquer tipo de comunicação. As mulheres ficam sem alternativa, a não ser fazer o que é imposto pelos traficantes.

Especialistas garantem que a novela contribuiu muito para que o crime de tráfico de pessoas fosse encarado de uma forma mais séria pelas autoridades. “A novela foi útil porque era um crime invisível”, considera Stella Maris Machado Natal, coordenadora do Núcleo Estadual de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Paraná, vinculado à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania (Seju). De acordo com ela, com a novela, as mulheres passaram a desconfiar sobre estas propostas “milagrosas”.

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A autora do livro Tráfico Internacional de Pessoas para Exploração Sexual (Editora Saraiva), Thaís de Camargo Rodrigues, também avalia como positiva a contribuição da novela para o enfrentamento do crime de tráfico de pessoas. “Não tenha dúvida que a novela ajuda. Ajudou a tirar esta lenda urbana sobre o assunto. Qualquer pessoa pode se tornar vítima. A novela ilustrou bem, apesar de algumas vezes até ser sutil sobre o que acontece”.

Crime de difícil combate

Existe uma série de desafios para a repressão e combate ao tráfico de pessoas, na opinião de Thaís Camargo Rodrigues. Ela revela que o Ministério da Justiça está no segundo Plano de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, mas são necessárias ações conjuntas e efetivas para que o resultado apareça. “A gente precisa dar informações para estas pessoas, além de uma outra condição de vida. São situações de pessoas em um problema social tão grande, seja no Brasil ou no restante da América Latina. São tão miseráveis que acham melhor arriscar, que seria melhor do que ficar na condição de miséria”, comenta.

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Para Thaís, ainda é necessário que o Brasil faça a adequação de sua legislação conforme o Protocolo de Palermo, que dispõe de todas as medidas para o combate contra o tráfico de pessoas. O protocolo prevê uma série de providências legislativas e, por enquanto, o nosso Código Penal relaciona mais o tráfico de pessoas com a exploração sexual, deixando em segundo plano os motivos para trabalho escravo ou tráfico de órgãos. Ela acredita que também é necessário trabalhar muito na proteção da vítima. “A curto prazo, o problema do tráfico das pessoas não tem solução. Não é por isto que não devem ser tomada,s pequenas atitudes”, avalia Thaís.

Núcleo ajuda no apoio às vítimas

O Paraná ainda não possui um diagnóstico específico sobre o tráfico de pessoas no Estado, mas é necessária uma atenção especial em virtude da fronteira com o Paraguai e a Argentina, além da facilidade de deslocamento para outros estados brasileiros. “Ainda estamos estabelecendo parcerias com o Ministério Público e a Justiça Federal no Paraná para que, em casos de inquérito, nos envie os documentos para que possamos ter acesso a estes dados”, explica Stella Maris Machado Natal, coordenadora do Núcleo Estadual de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Paraná.

O núcleo trabalha com a prevenção e também com o acolhimento das vítimas, em caso de denúncias. O órgão já fez o chamado “recâmbio” de pessoas traficadas que foram libertadas. Isto significa que o núcleo deu todo o apoio necessário para as vítimas, desde o encaminhamento para serviços de saúde até encontro com a família. “A vítima não sabe que é vítima. Mesmo que a pessoa saiba que ela está indo para se prostituir, por exemplo, ela não pode ser responsabilizada. Ela sabe o que vai fazer, mas não sabe em quais condições. Nem sempre existe um final feliz. Quando retornam, estas mulheres estão sem nada e traumatizadas. Muitas vezes, perderam todos os vínculos familiares”, ressalta Stella.