Profissão cancerígena

Trabalhar em salão deixa funcionário vulnerável ao câncer

Quando se fala em diagnóstico do câncer, independente de qual seja o tipo em questão, é muito pouco comum que seja feita uma relação com o ambiente de trabalho em que o paciente se encontra inserido. Mas o Instituto Nacional do Câncer (Inca) alerta: pelo menos 19 tipos de câncer estão relacionados à ocupação do paciente. E alguns profissionais, por estarem expostos a fatores de risco que existem em alguns ambientes de trabalho, correm mais risco de desenvolver a doença. Entre as ocupações mais “perigosas” neste sentido, estão farmacêutico e piloto de avião. Mas o que chama mais a atenção, principalmente em se tratando do sexo feminino, é a inclusão dos profissionais de salão de beleza nesta lista. Estima-se que cerca de 90% desses trabalhadores sejam mulheres.

De acordo com estudo publicado em 1981, as exposições ocupacionais corresponderiam a pelo menos 4% dos cânceres. Em mais de 30 anos, é muito provável que a situação tenha se agravado, o que torna a informação ainda mais relevante e preocupante. Não só pela prevenção, mas também pela conscientização de que um câncer desenvolvido por exposição ocupacional também pode ser incluído entre as possibilidades de acidente de trabalho. Segundo publicação de 2012 do Inca, dados da Previdência Social de 2009 apontavam que apenas 0,23% do total de auxílios-doença concedidos na época estavam relacionados ao câncer ocupacional.

Em relação aos profissionais de salões de beleza, os estudos do Inca relacionam os cânceres mais recorrentes em cabeleireiros e cosmetólogos. “Está comprovado que os profissionais de salões de beleza são mais vulneráveis ao câncer por estarem em contato direto com substâncias químicas que são sabidamente cancerígenas em humanos. No caso dos cabeleireiros, os cânceres mais recorrentes são os de mama, bexiga, cavidade oral, laringe e faringe. Já os cosmetólogos correm mais risco de desenvolver o chamado mieloma múltiplo, um tipo de câncer que atinge a medula do osso”, comenta o médico dermatologista Elso Elias Vieira Junior, que faz parte da Sociedade Brasileira de Dermatologia no Paraná (SBD-PR) e é pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) na área de salões de beleza.

Ele explica que essas substâncias reconhecidas como cancerígenas as quais os profissionais de salões de beleza estão expostos podem ser o formol (usado nas escovas progressivas) ou as aminas aromáticas e azocorantes (ingredientes de tinturas de cabelo). “Mesmo que a Vigilância Sanitária tenha proibido a utilização desta substância como alisadora de cabelos, sendo liberada apenas como conservante, na concentração de 0,2%, e endurecedor de unhas, na concentração de 5%, os cabeleireiros ainda acabam tendo acesso a ela, usando-a para fazer suas misturas. Aqui no Paraná, a fiscalização é mais rigorosa, mas em São Paulo, por exemplo, já tive notícia de que a Vigilância Sanitária só fiscaliza os estabelecimentos quando recebe denúncias, pois não tem equipes suficientes”. Essa exposição ainda é agravada pelo fato de os profissionais normalmente não usarem os Equipamentos de Proteção Individuais (EPIs), como máscaras, de forma correta.

Nestes casos, a exposição a essas substâncias cancerígenas pode se dar por meio da via cutânea (pela pele) ou das vias aéreas (inalação), não havendo qualquer relação anatômica (o câncer de mama não aparece porque o produto está sendo usado em proximidade com essa região do corpo, por exemplo). Em outros casos, a via oral (ingestão) também pode ser uma forma de exposição, mas não com essas substâncias. “Uma vez dentro do organismo, p,or meio dessas vias, a substância pode atingir qualquer órgão, sendo um fator de risco para o desenvolvimento de alguns tipos específicos de câncer, dependendo de qual for a sua composição”, explica o médico.

É por isso que os profissionais de beleza são mais vulneráveis a desenvolver apenas aqueles tipos citados na pesquisa do Inca. “Alguns são mais fáceis de entender como os cânceres da cavidade oral, da laringe e da faringe, que têm relação direta com a inalação do produto. No caso da bexiga, também é facilmente compreensível porque, em algum momento, essa substância vai ter que ser depurada e eliminada, passando pela bexiga. Mas, no caso do câncer de mama, ainda não há muita explicação”, revela. Vieira Junior ainda lembra que essa exposição dos profissionais de salões de beleza a essas substâncias não significa que todos aqueles que tiverem contato com elas vão desenvolver o câncer, pois elas não são consideradas causadoras, mas fatores de risco para o aparecimento da doença. Mesmo assim, é um grande risco para esses profissionais.

Muitos outros riscos no ambiente de trabalho

Apesar de o câncer ser a maior preocupação quando se trata de exposição ocupacional no caso de profissionais de salão de beleza, Vieira Junior alerta para o fato de esses trabalhadores também estarem expostos a outros riscos no ambiente de trabalho. “Algumas substâncias utilizadas não são fatores de risco para o desenvolvimento de câncer, mas podem desencadear outros problemas de saúde. Existem estudos da década de 1990 que demonstram que esses profissionais estão altamente expostos a substâncias nocivas para a pele e para os pulmões, podendo desenvolver quadros alérgicos, como a dermatite de contato e a asma”, explica.

Segundo o médico, “outros autores também apontam para a ocorrência de lesões osteomusculares em trabalhadores desta área pela má postura e falta de ergonomia nos salões”. “Pelo espaço fechado e sem ventilação adequada, também há possibilidade de disseminação de epidemias respiratórias, como tuberculose, pneumonia e gripe, em particular a Influenza A, que alarmou a saúde pública em 2009”, completa. Ele ainda cita a possibilidade de desenvolvimento de doenças infecciosas, principalmente no caso das manicures, e de varizes, pois não há políticas de prevenção dessas patologias, principalmente devido ao fato de a profissão ter sido regulamentada há muito pouco tempo.