Apesar de já haver tratamento e cura para a hanseníase, essa doença milenar ainda desperta muito preconceito, o que acaba fazendo com que os pacientes que sofrem com ela acabem não procurando atendimento e acompanhamento médico e optem pelo isolamento social. Esta realmente era a técnica adotada para controlar a doença na Idade Média, quando ainda era conhecida por um outro nome, assustador: lepra. Há muitos registros históricos de como os pacientes de hanseníase eram rejeitados pela sociedade em décadas e séculos anteriores (uma referência fácil é o filme Cruzadas, que mostra um rei leproso).
Mas especialistas garantem que não há motivos para agir dessa forma atualmente. Com um bom tratamento e diagnóstico precoce, os pacientes de hanseníase nem desenvolvem as sequelas tão temidas da doença, que acabam deformando algumas partes do corpo e despertam o preconceito. Outro problema que fazia com que os pacientes optassem pela reclusão, a possibilidade de transmissão da bactéria que causa a doença, também não é mais motivo para tal comportamento. É exatamente para conscientizar a população a respeito das condições atuais de tratamento da hanseníase que a Organização Mundial de Saúde (OMS), instituiu, em 1954, o Dia Mundial de Combate à Hanseníase, comemorado no último domingo.
“Esta é uma doença que já poderia ter sido eliminada, inclusive no Brasil, porque, apesar de as pesquisas terem levado muito tempo para conseguir bons resultados, hoje já há tratamento e cura. O problema é que ainda existe preconceito por esta ser uma doença milenar”, comenta o médico Luiz Carlos Pereira, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia no Paraná (SBD-PR). De acordo com ele, o Brasil é um dos países com maior incidência de casos de hanseníase ainda hoje, comparado apenas ao índice da Índia, devido à extensão de seus territórios.
Além disso, outro fator que poderia facilitar a erradicação da hanseníase no mundo todo é o fato de que apenas um pequeno grupo da população está suscetível a desenvolver a doença, como explica a médica Ewalda Stahlke, que também faz parte da Sociedade Brasileira de Dermatologia no Paraná (SBD-PR). “Somente 10% da população é capaz de adquirir a hanseníase. Os outros 90% têm uma barreira imunológica natural”, comenta. Não há diferenças entre homens e mulheres neste quesito (antigamente, o sexo masculino tinha uma prevalência maior por ter um contato social maior, mas hoje isso também acontece com o sexo feminino).
De acordo com a médica, a hanseníase é uma doença transmitida por uma bactéria indivíduo a indivíduo. “Mas não é um contato eventual que vai fazer com que uma pessoa adquira a doença. Essa transmissão só se dá quando há um convívio prolongado, por bastante tempo”, explica. Os primeiros sinais de que a hanseníase está se desenvolvendo no organismo são as manchas amortecidas ou anestésicas, que não suam e nas quais não se sente dor. “Essas manchas podem ser acompanhadas por dores nas articulações, como cotovelos, joelhos e tornozelos, que não cedem com tratamentos tradicionais”, completa. Pereira ainda acrescenta à lista de sintomas o inchaço no rosto (como se fosse de bebida) e a perda de pelos (principalmente sobrancelha).
Sequelas
Felipe Rosa |
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Principal sintoma da doença são as manchas amortecidas, alerta o médico dermatologista Luiz Carlos Pereira. |
Caso a doença não seja tratada, ela pode evoluir e atingir o sistema neurológic,o, deixando as tão temidas sequelas, que causam deformidades em algumas regiões do corpo. “As principais são úlceras na planta do pé, dificuldade na abertura das mãos e no levantamento das pontas dos pés, mas a bactéria pode atingir qualquer região do corpo, principalmente as áreas mais frias, como os ombros, as nádegas e o rosto”, afirma Ewalda. Para a médica, o maior problema trazido pela doença são as sequelas, que deixam, muitas vezes, os pacientes incapacitados pra vários tipos de trabalho.
Durante o tratamento, no entanto, não é necessário deixar de trabalho e de ter um convívio social – a medicação interrompe a transmissão em 48 horas. Aliás, o tratamento é gratuito nas unidades básicas de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) e demora entre seis meses e um ano, dependendo do grau da doença que se manifesta no paciente. “Existem dois tipos de hanseníase, de acordo com a imunidade do paciente. Em sua forma mais agressiva, o tratamento é composto de três medicamentos antibióticos e dura 12 meses ou 12 doses. Em sua forma mais branda, são dois medicamentos e o tratamento dura seis meses ou seis doses”, explica a médica Flávia Prevedello, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia no Paraná (SBD-PR).
Para chegar ao nível de surgirem deformações, a doença demora muito. Portanto, quanto antes começar o tratamento, maiores as chances de não haver sequelas. “O problema é quando a doença é silenciosa e a pessoa deixa chegar nesse estado, o que acontece principalmente longe dos grandes centros, onde não há tantas informações e tratamento”, comenta Pereira. Não existe formas de prevenção, mas quando é descoberto um caso de hanseníase, toda a família deve ter a saúde investigada, pois a bactéria causadora da doença tem um tempo de incubação, que fica em cinco anos na média. “Às vezes, uma pessoa teve contato com um doente na infância e a doença só se manifesta na idade adulta. Também é preciso lembrar que uma possível suscetibilidade genética”, conclui Flávia.