Supermercados, farmácias, postos de gasolina, bares, hospitais e outros estabelecimentos com atendimento 24 horas só funcionam ininterruptamente graças ao trabalho dos profissionais que aceitam se submeter a uma jornada noturna, atendendo enquanto a maior parte da população dorme. Trocando o dia pela noite, eles têm uma rotina diferente, que muitas vezes exige disciplina e adaptação do organismo.
Para alguns, isso não é problema, como é o caso da garçonete do Bar do Alemão O Schwarzwald Michele de Oliveira, de 35 anos, que trabalha há três meses no período noturno, após mais de um ano no turno da tarde. Ela conta que a mudança de horário não trouxe desconfortos e até a ajudou a organizar suas atividades pessoais e com a família. “Surgiu esta oportunidade, eu aceitei e está sendo ótimo. Trabalho das 18h até às 2h. Durmo o restante da madrugada e acordo às 11h. No tempo que sobra, consigo fazer minhas atividades de casa e ir para a academia. Eu e meu corpo nos acostumamos sem grandes problemas”.
Já para outros, a adaptação pode não ser tão fácil assim. A enfermeira Ilga Agnes, 47, é uma das trabalhadoras que teve dificuldade em se acostumar com o período noturno. Atuando no período noturno desde 1995, ela conta que teve que aprender a se desdobrar para conseguir conciliar o trabalho da noite com outros compromissos – além de enfermeira, ela dá aulas de enfermagem pela manhã, faz pós-graduação duas vezes por semana e cuida do filho. “No início, foi difícil organizar esta rotina, mas sempre precisei ter um tempo livre durante o dia para ficar com meu filho”.
Com o tempo, Ilga, que trabalho no turno da noite desde 1995, ainda passou a sentir os efeitos deste estilo de vida. “Durmo apenas duas ou três horas por dia. Com o barulho e a claridade, não consigo ter um sono prolongado. Depois que passei a viver desta forma, adquiri obesidade, hipertensão e dificuldades visuais, além do cansaço físico e mental”. Ainda assim, ela não se arrepende. “O melhor medicamento para o cansaço e para conseguir dormir bem é ter a consciência tranquila. Saber que você fez o bem, que ajudou o paciente a ser recuperar ou a se sentir mais confortável e assistido é gratificante”.
Impactos para o organismo
Mesmo sendo possível se acostumar a trabalhar a noite, segundo a médica neurologista do Hospital VITA Batel Claudia Panfilio, pensando em qualidade de vida, esta não é a rotina ideal para o corpo. “Nosso organismo tem ciclos circadianos que duram 24 horas e regulam nosso sono e outras funções. Para que este ciclo esteja ajustado, nosso cérebro precisa receber luz, de preferência solar. Sem ela, a produção de hormônios, como o do crescimento, serotonina e outros neurotransmissores, é prejudicada”.
De acordo com a médica, a diminuição ou a privação do sono podem levar a doenças como hipertensão arterial, infarto, diabetes, falta de concentração e de memória, gastrite, úlcera, déficit de vitamina D, depressão, entre outros problemas.
E os olhos também podem ser prejudicados. O oftalmologista da Visio Clínica e Cirurgia de Olhos Itamar Fernandes alerta que a jornada noturna leva a maior propensão a problemas visuais, como olho seco, visão embaçada, dificuldade de foco e até cegueira. Para proteger a visão, ele recomenda: “O trabalhador deve respeitar as normas de segurança seguir medidas de higiene ocular, ter uma alimentação correta, fazer reposição de vitamina C e fazer exames oftalmológicos de rotina, ao menos uma vez por ano”.