Lendas vivas

Sem papas na língua, Rafael critica a “democracia corintiana”

“Eu tive três ídolos. O primeiro foi o Ado, o segundo foi o Dino Zoff e o terceiro foi o Rivellino, que é meu amigo até hoje, grande homem e grande craque”, diz Rafael Cammarota. Dos três ídolos, dois eram goleiros e dois eram corintianos. Rafael não confessa, mas talvez a sua frustração foi não ficar no Corinthians, onde tentou voltar por cima depois que virou São Rafael no Grêmio Maringá.

Um dia, quando olhou para trás, Rafael reconheceu: “Sempre tive sorte no Paraná”. E hoje não deixa de repetir a frase sempre que aparece oportunidade. No entanto, em 1981, ele tentou jogar todas as fichas pela segunda vez no Corinthians. Pegar o lugar que foi de seu ídolo Ado. Achou que seria o dono do gol do Timão. Rafael se ferrou. Ele chegou na hora errada. Justamente no começo da Democracia Corintiana. Os jogadores comandados por Sócrates, Casagrande, Vladimir e Zenon mandavam em tudo. E o diretor de futebol Adilson Monteiro Alves, que era sociólogo, dava carta branca.

E Rafael não afinava com os caras. “E os caras mandavam”, diz Rafael. Zenon era nome de filósofo pré-socrático, mas quem mandava mesmo era Sócrates. O jogador. De qualquer forma, como Rafael não manjava muito da filosofia, ele ficou na reserva de um goleiro baixinho, de 1m70, chamado César, que tinha moral com o comando da DC, mas em campo levava uns perus que fariam orgulho de qualquer ceia de Natal. Ele nem culpa o pobre César: “Era um bom rapaz, mas era baixinho demais. Num jogo ele levou um gol de um chute do meio campo porque foi encoberto”, disse Rafael.

Na visão dele, a Democracia Corintiana se resumia a um vatapá futebolístico comandado por quatro jogadores – Sócrates, Vladimir, Casagrande e Zenon – que mandavam no time. Este negócio de um grupo de jogadores mandar no time não era novidade. No Santos, quem mandavam eram sujeitos como Pelé, Zito e Pepe. O que Rafael nunca engoliu foi a pompa e denominação que deram para aquele domínio.

Ainda recentemente ele entrou em rota de colisão com corintianos do tempo da DC. A última foi com Vladimir. “Ele me chamou de racista e eu falei aquilo que a Democracia Corintiana era na realidade o domínio de um grupo de jogadores. Agora, eu disse aquilo porque ele me chamou de racista. Eu sou casado com uma morena e ele com uma loira. Quem é racista entre nós dois?”, indaga ele. No fundo, o que importava mesmo era que os caras mandavam. “No dia em que eu fui embora, eu estava saindo do clube com meu Opala Comodoro e o Leão que foi contratado pelo Adilson Monteiro Alves estava chegando. Eu olhei aquilo. Impressionante. Uma diferença tremenda de carros. O dele era muito mais bacana. Eu com o meu Opala e o Leão com a sua Mercedes. Ele chegou e me perguntou: e aí, Rafa, como é o negócio por aqui? Eu respondi: Leão, te cuida porque os caras mandam”, relatou. “O Leão também não se deu bem com eles”, conta Rafael.

Em 1982, Rafael voltou ao Paraná. Como diz ele: “De onde eu não devia ter saído”. Ele voltou. E foi para o Atlético.