Lendas vivas

Rafael Cammarota, o goleiro que dispensa apresentações

Numa manhã de sábado, antes de começar a entrevista, Rafael Cammarota, que veio à cidade lançar o livro sobre a sua vida, avisou: “Eu sou louco. Eu nunca tive medo”. Isto não é novidade. Se há duas coisas que este ídolo de três times paranaenses – Grêmio Maringá, Atlético e Coritiba – sempre teve, foi fama de grande goleiro. E, também, de maluco ou louco. O técnico Osvaldo Brandão, seu padrinho de casamento, o chamava de maluco. “Ele dizia que saindo do gol daquele jeito um dia eu ia me arrebentar”, conta Rafael.

Brandão, além de técnico era profeta. Rafael Cammarota se arrebentou mesmo num treino coletivo da Ponte Preta em Campinas num dia de 1978. Ele foi disputar a bola com o centroavante Dario, o Dadá Maravilha, e este enfiou o joelho no rosto do goleiro. “Eu me arrebentei todo”, diz ele.

Mas não foi uma arrebentada qualquer. “Foi um acidente semelhante ao que aconteceu entre o Nivaldo e o Valtencir, que morreu no estádio Willie Davids. Eu saí no pé do Dadá. O joelho dele bateu no meu rosto. Eu quebrei o maxilar e não podia falar. Tive sete fraturas. Tive sorte que meu olho saltou para fora. Não fosse isso, os estilhaços de ossos teriam perfurado a retina e o globo ocular. Eu enxergava bem, mas com o olho pendurado para fora do rosto. Tive hemorragia interna. Me levaram para o hospital e os médicos quando souberam que eu era goleiro da Ponte Preta, não quiseram me operar. Acharam arriscado e ficaram com medo de não dar certo e depois ficarem com a fama de que não me salvaram. A minha sorte foi que apareceu um anjo na minha vida chamado doutor Nelson D’Ottaviano”, conta Rafael.

O mais curioso é que Rafael conhecia o sujeito dos bares de Campinas, principalmente do bar A Torre, que ficava na Lagoa e do Chopão. “Eu só não sabia que ele era médico. Era meu companheiro de copo e eu não sabia que era médico. Ainda mais especialista bucomaxiliarfacial. Foi a minha sorte. Foi o anjo da minha vida. Sabia que ele era pontepretano, mas não médico. Ele disse que ia me operar. Mas precisava de minha autorização. Eu balancei a cabeça de forma afirmativa porque não podia falar”, diz o goleiro, que levou 78 pontos externos e mais algumas dezenas de pontos internos. “Eu fiquei doze horas na mesa de cirurgia, três dias na UTI e doze dias no hospital. Corri o risco de ter visão dupla”, conta ele.

Os médicos deram oito meses de prazo para Rafael se recuperar. Em três meses e meio ele estava correndo. “No final de 1978, o pessoal disse que ia ter uma partida entre seleção paulista e seleção de Taubaté. Era um destes jogos que sempre tinha no final de ano para a gente levantar uma grana. A seleção paulista ia ser formada pelo Rivelino que era meu amigo e é até hoje, Pedro Rocha, Gilberto Sorriso, Muricy e outros jogadores”, conta Rafael Cammarota. Ele disse que queria ir. O pessoal pensou que ele fosse ver a partida, mas ele quis jogar para saber como estava a sua recuperação. Sensato, o atacante do São Paulo, Pedro Rocha, disse: “Você é louco, Rafael!”. Era. Rafael foi e jogou. “Numa disputa ríspida estourei uns três pontos. Eu queria saber se no jogo ia ficar com visão dupla. Não fiquei. Foi tudo bem’, diz ele. Estava pronto para recomeçar a carreira.

A primeira fase da carreira do goleiro Rafael Cammarota iniciada nos juvenis do Corinthians em 1969 e que se prolongou no Parque São Jorge até 1974, com direito a quatro jogos no time profissional pelo Campeonato Brasileiro e depois passagem de quatro anos pela Ponte Preta, chegou ao fim com aquele acidente.

O choque foi um divisor de águas na carreira e na vida. “Foi depois disso que eu vim para o Paraná. E minha carreira começou toda de novo. Foi a partir daí que eu me projetei”, conta ele. Mas esta é outra história. E como se trata de Rafael Cammarota, uma história também muito estranha.