O dia em que acabaram com o Ferroviário, Bídio foi tomado por uma tristeza enorme. “Eu nunca mais fui ao estádio depois disso”, diz ele. Ele não gostou da fusão com Britânia e Palestra que resultou no Colorado: “Veja bem, Ferroviário é nome de um time. Colorado era nome de uma cor. Não era nome de time. E tanto era assim que não deu liga e algum tempo depois também desapareceu”, diz ele. Para ele, o Ferroviário nunca deveria ter morrido. E Bídio – cujo verdadeiro nome é Gregório Kosak, terceiro filho dos imigrantes bielorrussos Hariton Kosak e Viera Kosak, que chegaram ao Brasil em 1935 – tem um bom motivo para esta tristeza. “Toda a minha vida de jogador profissional foi no Ferroviário”, diz ele, que foi um dos principais jogadores do time nos anos 60, quando o Boca Negra se tornou bicampeão estadual.

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Naquele que era talvez o melhor time do sul do Paraná nos seis primeiros anos da década de 60, Bídio era um meia-esquerda, como ele define, “de araque”. Porque sua posição normal era meia ponta de lança, mas como chutava bem com a perna esquerda, ele foi escalado para aquele setor do campo. “Eu era veloz, ia até a linha de fundo e chutava forte”, diz ele. Com Bídio não tinha bola perdida. Ele acreditava em todas. Além disso, mesmo antes de jogar no Ferroviário, Bídio trabalhava na Rede Ferroviária Federal, onde ficou empregado por 18 anos. Saiu de lá para ser vendedor autônomo, categoria na qual se aposentou.

“Mas enquanto eu estava na Rede, eu joguei primeiro no Grêmio Capão da Imbuia, onde eu comecei no futebol, porque o campo era aqui perto de minha casa e depois no Real, disputando partidas pelo futebol amador. Fiquei três anos em cada um. Até que me chamaram para treinar no Ferroviário. Me chamaram e eu fui aprovado e fiquei lá de 1960 até 1966. Foi então que parei com a bola, porque estava com 30 anos e naquele tempo jogador com esta idade era considerado velho”, diz ele.

Sicupira bancando Cupido

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No entanto, se a vida de jogador profissional de Bídio foi vinculada ao Boca Negra, a vida pessoal também seguiu o mesmo caminho, marcada pela Vila Capanema. Quem diz é Dona Gilda Beatriz Kosak que foi a primeira e única namorada de Bídio e com quem casou quanto tinha 19 anos e ele 26. “Eu sempre torci para o Ferroviário. Morava perto da Vila Capanema e meus tios eram torcedores do Boca Negra. E eu comecei a namorar o Bídio, quando ele estava jogando no Ferroviário, porque depois dos treinos ele e o Sicupira pegavam ônibus no ponto perto da vila”, diz ela.

Dona Gilda ficava olhando para aquele homem alto, de 1 metro e 78 e ele em dúvida se ela realmente estava olhando para ele. “Foi o Sicupira quem me incentivou. Ele dizia, vai Bídio, vai que ela está olhando para você. E eu ficava em dúvida, mas ele ficava me cutucando, até que um dia eu fui conversar com ela”, diz Bídio. E foi assim, com a ajuda do jovem cupido Sicupira, que Bídio, que era meio tímido, conquistou a sua primeira namorada – com quem está até hoje. Este encontro aconteceu um ano antes de se casarem. O resultado é que se casaram e no final do ano vão completar 50 anos de casamento, que resultou em três filhos, seis netos e um bisneto.

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Bídio balança a cabeça lentamente e diz: “E o mais incrível é que nenhum filho ou neto se interessou por jogar futebol”. Quem se transformou em jogador profissional foi um sobrinho de Bídio, filho de uma de suas irmãs. Leomir foi revelado pelo Coritiba, chegou a ser convocado para a Seleção Brasileira Sub-20 e foi campeão brasileiro pelo Fluminense. No entanto, por todo o seu histórico ligado ao Ferroviário e à Vila, Bídio diz que é Ferroviário até na alma. “Não acontecia sempre, mas às vezes acontecia de os salários ficarem atrasados uns três meses. Eu nem ligava, porque um dia eu ia recebe,r e estava ganhando para fazer a coisa que eu mais gostava na vida, que era jogar bola”, diz ele.

Caricatura

Arquivo

No jogo do dia 23 de novembro de 1966 em que Bídio marcou dois gols contra o Coritiba na Vila Capanema, o atacante foi homenageado com uma caricatura feita por Djalma.

Vermelha

Ele ainda guarda até hoje em sua casa uma grande bandeira vermelha do Boca Negra, embora a casa tenha espaço para outra menor do Paraná Clube. Ele tem uma teoria para o fim do Boca Negra. “Eu acho que foram os militares que acabaram com o Ferroviário. Os ferroviários gostavam de fazer greves e os militares achavam que eles eram comunistas. Quando tinha greve eles ficavam com aquelas bandeiras nos trilhos. Eles não gostavam disso e acabaram com o Ferroviário. É o que eu acho”, diz ele. Bídio tem uma caixa de fotos do tempo em que jogava bola. “Eu pego esta caixa e fico olhando e me emociono. E quando eu olho as fotos, parece que foi ontem. Então todas as lembranças me vêm à memória”, diz ele. Ele mostra o público no estádio: “Aquele tempo os estádios ficavam cheios. Foi um tempo muito bom”.

Caixa cheia

E a prova está numa caixa cheia de fotografias, na bandeira do Boca Negra, com a qual ele dá uma polida na memória e lembra os bons tempos do Boca Negra. No final da entrevista, ele tira uma fotografia da caixa de recordações e mostra: “Este aqui era eu”. Eu digo: “Você era bonitão, hein Bídio?”. Ele não perde a jogada como nos velhos tempos e emenda de primeira: “Rapaz, eu era tão bonito que por pouco não fui parar em Hollywood”. E quando o repórter foi embora, antes de fechar o portão, ele pergunta quando vai sair a matéria, porque “neste dia eu vou comprar todos os exemplares da Tribuna, não vai sobra um para ninguém”. O velho Bídio pode não correr e chutar forte como nos anos 50 e 60, mas o bom humor continua afiado. Grande Bídio. Uma lenda viva do futebol paranaense.