Se um dia alguém escrever a história secreta dos campeonatos paranaenses, vai ter que guardar um gordo capítulo para o fim da temporada de 1987. Que foi num domingo, dia 19 de julho. A temporada foi cheia de tumultos e quando chegou ao fim o quadro era o seguinte: no hexagonal final, o Pinheiros abriu quatro pontos faltando duas partidas. Mas bobeou na penúltima rodada e perdeu para o Coritiba por 1 a 0. O Atlético goleou o Colorado por 4 a 1 e na última rodada se o Cascavel ganhasse do Pinheiros no estádio Olímpico, no Oeste, e o rubro-negro vencesse o Londrina em Curitiba, o título seria atleticano. O Atlético venceu o Londrina por 2 a 0. Os dois jogos foram disputados sob uma tensão danada, mas não houve nada igual ao jogo em Cascavel entre Pinheiros e o time local, presenciado por 2.974 pagantes. A maior parte de Cascavel. E a maior parte torcendo para o Pinheiros.
Para entender esta história é preciso recuar para o começo da semana. A rodada decisiva foi antecedida por rumores durante a semana de que a diretoria do Atlético Paranaense conseguiu atropelar o Departamento de Árbitros, que indicou Tito Rodrigues, de quem o Atlético não gostava, para o jogo em Cascavel. E, além disso, a direção do Atlético teria comprado o árbitro escalado misteriosamente de última hora, Rosaldo Goes dos Santos, de passado com atuações consideradas muito comprometedoras. Depois de meia hora de jogo no estádio Olímpico, Rosaldo expulsou o jogador Roberson que, ao sair, além de xingar o árbitro de tudo que foi nome feio o alertou de que naquela tarde ele não ia roubar nem espetáculo, nem resultado e tampouco o Pinheiros, porque a diretoria do clube azul e branco, providencialmente, ao saber da aquisição do árbitro pelo Atlético, tratou de adquirir o adversário, o Cascavel.
Roberson disse: “Não adianta você roubar porque este jogo já está acertado com o Cascavel”. Por aquela, Sua Excelência não esperava! Aos 30 minutos todos no estádio chamavam o árbitro de palhaço e até o banco de reservas não respeitava o mediador. Marinho foi tirar satisfações com o árbitro sobre a expulsão do companheiro e o arbitro também expulsou aquele que era considerado o cérebro do time. A alegação foi a de que ele ofendeu o bandeirinha José Gilberto da Costa. O Pinheiros ficou com nove jogadores em campo. Apesar da superioridade numérica, o Cascavel não se animou em atacar. Aos 43 minutos, Jorge, do Cascavel, atropelou Newmar, do Pinheiros, e Rosaldo Goes não titubeou: apitou um pênalti para ver se a coisa deslanchava. Um pênalti, claro, para o Cascavel.
Foi aí que o inusitado aconteceu: o presidente do Cascavel, Edgard Bueno e os diretores Darcy Casagrande e Jair Bordignon, invadiram o campo para dizer que não queriam pênalti e não precisavam de ajuda do árbitro. A coisa ficou ainda mais surrealista. O arbitro sustentou a marcação. E o ponta esquerda Marquinhos, do Cascavel, foi escalado para a cobrança. No time do Pinheiros, o outro Marquinhos olhava tudo aquilo tentando entender o que acontecia. A torcida do Cascavel gritava: “Fora, fora, fora!”. Que era para o Marquinhos do Cascavel chutar para fora. E o presidente do Cascavel para mostrar que estava ao lado da torcida, sussurrou para Marquinhos, do Cascavel: “Chuta fora!”. O jogador ficou preocupado. Sem saber o que fazer.
Marquinhos, do Cascavel, foi falar com o técnico de seu time, Munir Caluf. “O que eu faço, professor?”, indagou, meio desnorteado. O técnico disse: “Você tem que bater o pênalti. Nós somos profissionais e temos a obrigação de ganhar o jogo”. O atacante argumentou: “Mas o presidente me mandou tocar para fora!”. O técnico então deu uma de Pôncio Pilatos e lavou as mãos: “Bem, neste caso, faça o que tua consciência mandar”. E a consciência mandou Marquinhos chutar para fora. O jogador foi para a cobrança e mandou uma bomba tão bombástica que passou três centímetros longe da trave. Errou com categoria, mas quase acertou sem querer., Se houvesse pedra no caminho e desviasse, o goleiro Toinho não veria nem a cor da bola.
Os diretores do Cascavel se abraçaram, a torcida comemorou e apesar de o Pinheiros estar com apenas nove jogadores e o árbitro empenhado em ver um espetáculo cheio de gols, o jogo terminou empatado em 0 a 0, resultado que consagrou o título pinheirense. Que foi proclamado campeão. Ao fim da porfia, o narrador Carneiro Neto, meio aturdido concluiu: “Nunca vi um campeonato tão torto como este!”. Realmente, naquele ano deu a louca no campeonato paranaense. Tudo parecia resolvido, mas, na terça-feira, dia 21, estourou a bomba: Ivo Roncaglio, diretor do Cascavel, acusou o presidente do clube, Edgard Bueno, de vender o jogo para o Pinheiros por 1 milhão e 500 mil cruzados.
Roncaglio disse que Bueno mostrou o cheque para ele na sexta-feira anterior ao jogo, dia 17 e ainda disse: “Se alguém reclamar, eu digo que foi pagamento pelo jogador Silvio, que foi negociado”. Os diálogos seguintes foram ainda mais cômicos. Ao ser indagado se tudo aquilo era verdade, Bueno disse para Roncaglio num programa de televisão: “Você não pode me chamar de corrupto, porque muitas vezes comprou juízes”. E Ronclagio prontamente respondeu: “Comprei sim, mas não com o teu dinheiro”. Claro que aquilo virou um escândalo. E claro que não deu em nada. Ficou tudo para os anais do Campeonato Paranaense.
Não deu em nada
Indagado se tudo era verdade, Bueno disse para Roncaglio num programa de televisão: “Você não pode me chamar de corrupto, porque muitas vezes comprou juízes”. E Ronclagio respondeu: “Comprei sim, mas não com o teu dinheiro”.
Deu a louca no mundo!
Poucas temporadas foram tão surrealistas quanto à de 1987. Na última rodada, o Atlético teria comprado o juiz e o Pinheiros conquistou o adversário, o Cascavel, e foi campeão!