O telefone toca na redação e do outro lado o leitor pergunta: “Estou acompanhando as reportagens de vocês sobre os ídolos do futebol paranaense. Mas vocês não fazer uma com o Bídio?”. A pergunta procede: os velhos torcedores do Boca Negra nunca esquecerão daquele meia esquerda rápido, que chutava com as duas pernas e era um dos principais nomes do ataque do time de Vila Capanema na primeira metade dos anos 60, ao lado de Sicupira, de Paulo Vecchio e de Humberto. Bídio, o bicampeão paranaense em 1965 e 1966. Uma lenda viva do futebol araucariano. Eu respondo para o velho leitor: “E você sabe por onde anda o Bídio?”.

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Ele responde que Bídio está lá em sua casa, tranquilo entre fotos e bandeira do velho Boca Negra, no Capão da Imbuia, onde começou a jogar bola, e onde hoje reside nos tranquilos anos crepusculares. O leitor foi atrás do telefone de Bídio, nos forneceu e marcamos uma entrevista. Fomos lá conversar com o velho Bídio. Com o seu bom humor, irreverente, embora estique a mão com cuidado e avise: “Pode cumprimentar, mas não aperta a mão que eu tenho gota”. Entramos em casa, sentamos no sofá e começamos a conversar: “Então, Bídio, é verdade que você era veloz e chutava forte com as duas pernas?”. Ele responde: “Claro! Eu chutava com as duas pernas e não caia sentado”. O bom humor continua: “Conta, aí como você entrou para o Ferroviário?”. Ele emenda outro petardo de bom humor: “Eu me lembro até hoje. Eu entrei com o pé direito”.

E assim prossegue a conversa, cheia de frases bem-humoradas e recordações dos velhos tempos alimentadas com cenas imortais como o abraço do ponteiro Humberto em Vila Capanema depois que Bídio marcou o gol que resultou no título de campeão da Zona Sul de 1965 contra o Coritiba. Foi no dia 5 de dezembro de 1965, primeiro domingo do mês. O primeiro jogo terminou empatado em 0 a 0 e o segundo começou de maneira ruim para o Boca Negra. Primeiro, o zagueiro Fernando Knaipp se lesionou aos 13 minutos do primeiro tempo e como naquela época não tinha substituição, o jogador continuou em campo apenas fazendo número no ataque, para atrapalhar o adversário. Para efeitos práticos, o Ferroviário estava com dez em campo.

E não apenas isso: o Coritiba jogava melhor e a impressão que se tinha era a de que marcaria o primeiro e o segundo. O título estava desenhado mais perto do Alto da Glória. Mas o Ferroviário lutava. “A brava rapaziada colorada, jogando com sangue, num esforço sobrenatural, ombreou-se com o seu rival”, relatou a Tribuna do Paraná no dia seguinte. Aí aconteceu o milagre. Aos 10 minutos do segundo tempo, Sarará passou para Martins e este lançou Bídio em esplêndidas condições para avançar e arrematar. “Eu recebi a bola. Eu ia dominar para avançar e chutar. Mas pensei, vai de qualquer jeito. E antes de Reis chegar perto, eu chutei de primeira. A bola pegou um efeito e foi como um canhão de longa distância no ângulo do goleiro Erol, que saltou atrasado e não conseguiu evitar o tento. Este foi o gol mais bonito e mais importante da minha carreira”, confessa o atacante. Aquele canhotaço entrou para a história. Humberto foi o primeiro a correr para abraçar o colega, que depois que a partida terminou foi carregado pelos companheiros de equipe e pela torcida.

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E não foi para menos. A Vila Capanema lotada, com renda de 12 milhões, vibrou com a conquista. Com aquele gol de Bídio e lutando para segurar o resultado, o Ferroviário sagrou-se campeão da Zona Sul e depois venceu o Grêmio de Maringá, campeão da Zona Norte, no jogo de ida por 1 a 0 no Willie Davids e na volta por 3 a 1, na Vila Capanema. O Boca Negra era outra vez campeão do Estado. Na bola e na garra. Para delírio da Vila Capanema. E dos boca negras.

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Terror na área

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Bídio sempre foi um dos principais atacantes do Ferroviário, chutando com a esquerda e com a direita. Mas ele também fez muitos gols de cabeça.

Eletrizante

Outro jogo formidável do qual Bídio não esquece, também contra o Coritiba, entrou para a história do Boca Negra, porque praticamente definiu o título do ano seguinte, em 1966. Este jogo aconteceu no dia 23 de novembro de 1966, também na Vila Capanema. Foi um jogo eletrizante que praticamente determinou o campeonato daquele ano. Tião abriu a contagem para o Coritiba, Bídio empatou, Padreco ampliou e Bídio fez o terceiro. Kruger ainda diminuiu, mas era tarde. Com 3 a 2, o Ferroviário assumiu a ponta do campeonato. Tinha ainda três jogos no Norte do Paraná contra Grêmio de Maringá (perdeu de 3 a 0), Londrina (empatou em dois gols) e Apucarana (ganhou de 4 a 1). Mas sagrou-se bicampeão estadual. “Nos anos em que eu joguei, não tinha nada de Atlético, não. Éramos nós e o Coritiba era o nosso adversário mais forte. No final, quem ganhava era a gente”, diz ele.