Na tarde de 20 de julho de 1969, dois acontecimentos importantes, entre outros de expressão pelo mundo afora, ficaram registrados para sempre na história. O astronauta norte-americano Neil Armstrong, de 38 anos, se tornou o primeiro homem a pisar na Lua e, no estádio Joaquim Américo, em Curitiba, o zagueiro-central Hideraldo Luiz Bellini, de 39 anos, vestindo a camisa do Clube Atlético Paranaense, pisava pela última vez num campo de futebol como jogador profissional. Assim como existiram muitos outros astronautas, também existiram e vão existir muitos outros zagueiros. Mas Armstrong e Bellini vieram para ficar na história, cada um em seu departamento, e de lá nunca mais sairão.
A despedida de Bellini foi num Atletiba, que terminou 0 x 0. O Coritiba entrou no gramado na condição de bicampeão estadual e a partida tornou-se uma festa para o adeus ao grande capitão da Seleção Brasileira de 1958 e considerado por muitos o maior beque central brasileiro de todos os tempos. Minutos antes da partida, Bellini recebeu das mãos de Orlando Silva, o cantor das multidões, que estava na cidade, uma placa de prata, confeccionada especialmente para o evento. Até a mulher do zagueiro, Dona Giselda, de camisa branca e calça cor de rosa, foi mimoseada com um ‘lindo ramalhete de flores’ e depois foi ver a última partida do marido na tribuna de honra da antiga Baixada.
Na solenidade, o jogador Madureira, o baixinho infernal que 40 dias depois ia aterrorizar o time do Santos com a camisa do Atlético, representou a imprensa. O dirigente Munir Caluf representou o eterno adversário do Atlético – o Coritiba. O jogo começou e, segundo a imprensa registrou na época, o zagueiro esqueceu que era dia de despedida e foi para o jogo. A formação do time do grande capitão em sua última partida contou com Silas; Djalma Santos, Bellini, Charrão e Pardal; Nair (Tião) e Zequinha; Gildo, Sicupira, Helinho e Nilson (Natal). O Coxa formou com Célio; Reis, Roderley, Nico e Cláudio; Neiva e Lucas; Oromar (Hugo), Oldack, Servilio e Edson (Lucas). Antes da partida, e também depois, Bellini fez plantão na sede do Atlético para atender as inúmeras fãs que fizeram fila em busca de um autógrafo.
Registro da festa
A Tribuna registrou da seguinte forma a despedida de Bellini. ‘Bonito de comover foi a festa de Bellini. Aplausos de sua torcida, da dos Coxas, que levantaram para aplaudir a volta olímpica, com o time alinhado à lateral. Não houve um coxa que não aplaudisse o hoje velho capitão, um símbolo do futebol brasileiro, que se despede de cabeça erguida, posando ao lado de seu herdeiro, sob a vista de sua família, entre alegre e triste, nas arquibancadas. Muita gente boa foi lá levar o abraço à Bellini. Orlando Silva, Francisco Sarno, que também gosta de violão, e o baixinho Madureira. Foi, enfim, uma festa para o grande campeão’. No fim daquela tarde, exatamente às 17 horas, 17 minutos e 42 segundos, a 383 mil e 900 quilômetros distantes do Joaquim Américo, Neil Armstrong pisou na lua, enquanto Bellini deixava o gramado para sempre.
Ordem dele
Um dos gestos mais famosos da Copa de 1958 foi depois do primeiro gol da Suécia, quando o time tremeu e Didi voltou da área para o meio-campo caminhando lentamente com a bola embaixo do braço, tranqüilizando os colegas e dizendo: ‘Calma, pessoal. Vamos encher esses gringos de gols’. O que poucos sabem é que, enquanto os suecos comemoravam o gol, quem foi lá nos fundos das redes de Gilmar, e na maior calma do mundo pegou a bola e a entregou para Didi, foi Bellini, que instruiu o companheiro a segurar o time. O resto é história: o Brasil ganhou por 5 x 2 e vinte Bellini levantou o caneco.
Empresário
Tem jogador que não sabe o que fazer da vida quando deixa o futebol. Não foi o que aconteceu com Bellini. De 1970 a 1978, em sociedade com os cunhados, ele investiu capital e prestígio no supermercado Viva Bem, na Avenida Brigadeiro Luiz Antonio, no centro de S&a,tilde;o Paulo. Nos dois anos seguintes, montou uma doceria na Avenida Sumaré, especializada em milho verde, que, aliás, levou o nome de Milho Verde & Cia. Ele também trabalhou na Secretaria Municipal de Esportes, abriu escolinha de futebol no Brooklin e prestou serviços à multinacional Philips, organizando campeonatos de futebol para os funcionários da empresa.
Bellini, hoje
A presente edição de Lendas Viva, ao contrário das anteriores, foi feita sem entrevistar o personagem. A reportagem entrou em contato com Hideraldo Luís Bellini Jr, filho do jogador, sobre a possibilidade de conversar com o velho capitão da Seleção Brasileira de 1958 e do Atlético, de 1968 e 1969, e recebeu a seguinte resposta: ‘Meu pai sofre de Alzheimer há mais de uma década, entre outras limitações de saúde. Assim, creio não ser possível ele colaborar nesta matéria, infelizmente!’. O filho do zagueiro é quem o representa nas homenagens que ainda recebe. Por esta razão, a reportagem se utilizou notícias da época.
Lenda Viva 1
Aos 54 anos, Bellini formou-se em direito. Fez exame da OAB, pegou a carteirinha de advogado, mas não exerceu a profissão.
Lenda Viva 2
Bellini tinha fama de durão com os companheiros. Foi esta postura vigorosa que lhe garantiu a braçadeira de capitão na Suécia, em 1958.
Três copas
Bellini estreou com a camisa da Seleção no dia 13 de abril de 1957, nas eliminatórias para a Copa de 1958, no empate por 1 x 1 contra o Peru, em Lima. Vicente Feola deu-lhe a tarja de capitão e ele foi elogiado publicamente pelo Marechal da Vitória, Paulo Machado de Carvalho. O zagueiro disputou três Copas do Mundo: venceu a primeira, na Suécia, como capitão (1958); venceu a segunda, no Chile, na reserva (1962) e participou, também na reserva, do fiasco na Inglaterra, em 1966, do qual ninguém se salvou, incluindo Pelé. Ele disputou de 1957 a 1966, 51 partidas pela Seleção Brasileira. Títulos em clubes.
Auge no Vasco
Embora tenha jogado por seis anos no São Paulo e mais um no Atlético, Bellini conquistou títulos apenas no Vasco da Gama, como o Campeonato Carioca de 1952, 1956 e 1958, Também ganhou os seguintes títulos: Torneio Internacional do Chile (1953), Torneio Octogonal Rivadavia Corrêa Meyer (1953), Torneio de Paris (1957), Troféu Teresa Herrera (1957), Torneio Roberto Gomes Pedrosa (Rio-São Paulo, de 1958), Torneio Quadrangular (1953) e Torneio Triangular Internacional do Chile (1957).
Estátua
Avesso ‘às falsas homenagens’, que ele dizia que eram feitas aos ex-craques apenas às portas dos mundiais, Bellini tem uma estátua em sua homenagem na entrada do Maracanã, no Rio de Janeiro, que acabou ficando conhecida como ‘Entrada do Bellini’.