O cenário da escavação é o oposto do que a imaginação sugere. E os fósseis em questão passariam certamente despercebidos aos olhos de um leigo, que, mesmo prestando atenção, não veria ali nada mais do que manchas esquisitas em uma rocha.

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Meio bilhão de anos atrás, porém, essa região desértica no interior da Namíbia era parte de um oceano. E as manchas e ranhuras que aparecem em algumas de suas rochas, hoje expostas ao sol, são os restos fossilizados daquele que pode ter sido um dos ecossistemas recifais mais primitivos da Terra.

A descoberta foi feita por pesquisadores britânicos, em parceria com o Serviço Geológico da Namíbia, e publicada na edição desta sexta-feira, 27, da revista Science. O trabalho descreve um recife fossilizado de 548 milhões de anos, dominado por um animal chamado Cloudina, que, a exemplo dos corais atuais, vivia de forma agregada e era capaz de sintetizar um exoesqueleto calcário ao redor de seus tecidos moles – formando estruturas parecidas com uma pilha de cones de sorvete, que ficava presa ao substrato marinho.

Se a datação e interpretação dos fósseis estiverem corretas, eles representam o recife mais antigo de que se tem registro na história da evolução da vida animal na Terra. Há recifes fósseis muitos mais antigos do que isso – da ordem de 3 bilhões de anos – formados por cianobactérias, mas não por animais.

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Relevância

As implicações evolutivas disso são grandes. Significa dizer que interações ecológicas complexas como a de um ecossistema recifal já existiam milhões de anos antes da chamada Explosão do Cambriano, uma grande multiplicação e diversificação das formas de vida na Terra que aparece no registro fóssil a partir daquele período, iniciado 541 milhões de anos atrás.

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Os autores propõem, com base nessas e em outras evidências, que a capacidade das Cloudinas de sintetizar conchas conectadas e compor um sistema recifal representa uma adaptação evolutiva de defesa contra predadores, num cenário ecológico que acreditava-se ter surgido apenas no Cambriano.

“Isso mostra que a coevolução presa-predador começou bem antes do que se pensava”, diz a pesquisadora Mírian Liza Pacheco, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que estuda fósseis do período Ediacarano. “É um trabalho muito bem feito.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.