O mês de julho marca o período consagrado às diversas manifestações artísticas nas cidades históricas de Ouro Preto e Mariana.
Literatura, artes plásticas, artes visuais, artes cênicas, música, patrimônio cultural e natural se mesclam em oficinas, espetáculos, mostras e seminários na quinta edição do Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana, que será realizada de 8 a 27 de julho.
A exemplo das edições anteriores, o Festival tem como norteadores um personagem e um tema, que direcionam o olhar dos curadores na composição das oficinas em cada área. O personagem homenageado nesta edição é Aleijadinho, que, com a temática ?Talentos e mitos do Brasil?, desafiou as curadorias na seleção de oficinas que promovessem diálogos entre o antigo e o contemporâneo. ?O tema foi muito importante para nos fazer refletir não só sobre a arte do Aleijadinho, mas também contextualizá-la com o ambiente físico onde essas obras se encontram e a interação delas com as duas cidades, entre outros aspectos?, explica o pró-reitor de Extensão da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e coordenador-geral do festival, Rodrigo Meira Martoni.
A idéia do tema também foi a responsável pela incorporação de mais uma área às sete já existentes: a de patrimônio natural. Segundo Martoni, essa será a grande novidade do festival. ?A área de patrimônio natural veio para preencher uma das demandas do tema, que trata da aplicação artística no cenário das cidades de Ouro Preto e Mariana. Com a inspiração em Aleijadinho, vamos estimular os participantes a refletir e interagir com a realidade sócio-ambiental dos dois municípios.?
Pelas ladeiras de Ouro Preto
Se as Minas Gerais são muitas, Ouro Preto é um de seus maiores tesouros.
Foto: Carol Reis |
Cortejos divertem os visitantes durante todo o evento. |
Submersa nas montanhas da Estrada Real, caminho outrora percorrido pelos bandeirantes em busca do ouro das Minas Gerais, a cidade esconde mistérios que se descortinam aos olhos dos visitantes, traduzidos na arquitetura barroca, na efervescência cultural e no frio que, especialmente nesta época do ano, toma conta das ruas da antiga capital do estado.
Vila Rica – nome dado pelos portugueses para unificar os núcleos de Ouro Preto, Antônio Dias, Ouro Podre e Padre Faria – viu nascer em seu território personagens que se tornaram ícones mundiais.
Por conta da Inconfidência Mineira, um dos principais movimentos de independência do País, teve o revolucionário Tiradentes e os poetas Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio Manuel da Costa; o líder negro Chico Rei, que libertou seu povo com ouro, e o primeiro dos grandes artistas brasileiros, Aleijadinho.
Obras intrigantes
Antônio Francisco Lisboa, conhecido como Aleijadinho, volta à vida durante a realização do Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana, que anualmente atrai milhares de visitantes.
Escultor, entalhador e arquiteto, o mulato ouropretano filho do português Manoel Francisco da Costa Lisboa e de sua escrava Isabel deixou para a posteridade obras que desafiam a inteligência dos historiadores e a sensibilidade dos turistas. O retorno ao passado começa com um simples passeio pelas ladeiras de Ouro Preto.
A casa onde o escultor nasceu está lá, na rua que hoje leva o nome do artista. Andando mais um pouco, é possível ver de perto a primeira obra pública do mestre que, aos 16 anos, completou o chafariz que o pai construía no Alto da Cruz.
O busto desnudo, que retratava a imagem de Afrodite, situa-se nas proximidades da Igreja de Santa Efigênia.
As igrejas representam um capítulo à parte na arquitetura ouro-pretana. Os monumentos, cobertos de ouro em seus altares, dão uma idéia da riqueza vivenciada pelos antepassados mineiros.
É lá que está abrigada boa parte das obras produzidas por Aleijadinho.
A Igreja de São Francisco de Assis, construção religiosa mais famosa de Ouro Preto, iniciada em 1766, é considerada obra-prima de Aleijadinho. O museu que leva o seu nome também possui importantes obras do escultor.
Outro espaço que merece destaque é o Museu da Inconfidência, que possui preciosidades barrocas como uma imagem natural de São Jorge confeccionada para servir às procissões de Corpus Christi, uma de Nossa Senhora da Conceição e o Cristo Flagelado.
Não se sabe ao certo quantas foram as peças produzidas por Aleijadinho. Muitas ainda estão em processo de identificação.
Isso porque, em função da doença que o fez perder os dedos dos pés e das mãos, o artista teve que contar com o auxílio de seus ajudantes Maurício, Januário e Agostinho -para finalizar algumas obras. Atualmente, são 21 as características que conferem a assinatura de Aleijadinho a uma imagem, entre elas os olhos saltados e ligeiramente estrábicos, o nariz alongado e cabelos encaracolados.
O corpo do maior artista barroco do Brasil está enterrado aos pés do altar da Nossa Senhora da Boa Morte, na Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição, construída de 1727 a 1760 pelo pai de Aleijadinho.
Aleijadinho: talento e mito
Aleijadinho viveu em Ouro Preto entre os anos de 1738 e 1814. Sua história é conhecida por meio da primeira biografia do artista publicada por Rodrigo Ferreira Bretãs, em 1858. A idealização e a mitificação desse artífice começou a tomar forma cerca de cinqüenta anos após a sua morte. Hoje, considerado um personagem importante na construção de uma identidade cultural na história da arte brasileira, é conhecido mundialmente.
Herói que lembra os personagens do romantismo, ele teria perdido partes dos dedos dos pés e das mãos devido a uma misteriosa doença e, mesmo assim, são atribuídas a seu ateliê a maior parte das obras escultóricas do barroco brasileiro, de estátuas de santos a alto-relevos nos frontões das igrejas e também monumentos arquitetônicos. Mais informações: www.festivaldeinverno.ufop.br.
Percorra o ?Roteiro Aleijadinho?
Foto: Lígia Martoni |
Centro de Mariana, com as igrejas de São Francisco de Assis e Nossa Senhora do Carmo. |
Não deixe de ver em Ouro Preto
* Igreja Nossa Senhora do Carmo: projetada por Manoel Francisco Lisboa, pai de Aleijadinho. Sua edificação foi entre 1766 e 1772. Entrada paga. Fica na Rua Brigadeiro Musqueira (atrás do Museu da Inconfidência).
* Igreja Nossa Senhora do Rosário: raro exemplar do barroco mineiro, com sua fachada circular e por isso singular. Sua construção foi iniciada em 1785. Fica no Largo do Rosário.
* Igreja São Francisco de Assis: a mais famosa de Ouro Preto, um dos exemplares mais magníficos do barroco mineiro. Sua construção foi iniciada em 1766. É considerada obra-prima de Aleijadinho, responsável pelo risco geral do prédio, portada, tribuna do altar-mor, altares laterais e capela-mor. Entrada paga. Situa-se no Largo de Coimbra.
Foto: Eduardo Tropia |
Igreja Nossa Senhora do Rosário, raro exemplar do barroco. |
* Matriz Nossa Senhora da Conceição: construída entre 1727 e 1746. O projeto e a execução ficaram a cargo de Manuel Francisco Lisboa, pai de Aleijadinho. Ambos estão enterrados na igreja. Tem em anexo o Museu Aleijadinho. Entrada franca na igreja, não no museu. Ambos ficam na Praça Antônio Dias.
* Igreja São Francisco de Paula: foi a última igreja erguida no período colonial, com execução iniciada em 1804. A imagem do padroeiro, que hoje se encontra no Museu Aleijadinho, é atribuída ao mestre. De seu adro se tem uma bela vista da cidade. Situa-se na Rua Padre Rolim.
* Bom Jesus de Matozinhos ou São Miguel e Almas: construção de 1778. Rua Alvarenga Peixoto.
* Museu da Inconfidência: construção iniciada em 1785, com intuito de servir como Casa da Câmara e cadeia. Reúne valiosa coleção de objetos e manuscritos referentes à Inconfidência, obras atribuídas a Aleijadinho, Xavier de Brito, Mestre Ataíde e Servas. Destacam-se o Panteão dos Inconfidentes (onde se encontram os restos mortais dos principais nomes do movimento), pedaços da forca em que morreu Tiradentes e a primeira edição do livro Marília de Dirceu. Fica na Praça Tiradentes.
* Casa Guignard: Alberto da Veiga Guignard, um dos maiores pintores e desenhistas brasileiros do século XX. Apaixonado por Ouro Preto, dedicou à cidade grande parte de sua criação. Além de objetos pessoais, no museu encontra-se ainda uma galeria de arte. Uma peanha e o chafariz em pedra-sabão são atribuídos a Aleijadinho. Entrada gratuita. Situa-se na Rua Conde de Bobadela, 110.
* Museu do Pilar: funciona na sacristia da matriz do Pilar, onde estão expostas pratarias, mobiliário, paramentos e imagens religiosas do século XVIII. Destaque para a imagem de Nossa Senhora das Mercês, com brincos de Topázio Imperial, atribuída a Aleijadinho. Entrada paga.
* Museu Aleijadinho: funciona na sacristia da matriz Nossa Senhora da Conceição (Antônio Dias). Possui rica arte sacra. De Aleijadinho são os leões funerários em madeira. Entrada paga. Fica Praça Antônio Dias.
Inclua no roteiro em Mariana
* Museu Arquidiocesano de Arte Sacra: prédio do século XVIII, um dos principais Museus do Brasil em arte sacra. Obras de Aleijadinho, Francisco Xavier de Brito e do mestre Ataíde. Rico acervo em mobiliário, objetos de prata e ouro.
* Igreja São Francisco de Assis: sua construção foi iniciada em 1763 e finalizada em 1794. Com partido arquitetônico tradicional, apresenta medalhão esculpido em pedra-sabão na portada, atribuído a Aleijadinho.
* Museu Arquidiocesano de Arte Sacra: prédio do século XVIII, um dos principais Museus do Brasil em arte sacra. Obras de Aleijadinho, Francisco Xavier de Brito e do mestre Ataíde. Rico acervo em mobiliário, objetos de prata e ouro.
Natureza por trás do casario colonial
Foto: Lígia Martoni |
Pico do Itacolomi, no parque de mesmo nome: turismo histórico e ecológico em um só lugar. |
Além de todos os outros atrativos, Ouro Preto e Mariana reservam um conjunto de belezas naturais para aqueles que procuram a natureza que se esconde por trás do casario colonial. Não faltam nas cidades opções de passeios ecológicos, para quem quer se divertir também longe do agito do Festival de Inverno, no próximo mês.
A Mina de Chico Rei, em Ouro Preto, por exemplo, reúne história e tradição em um ambiente cercado pelo verde. O local faz parte de uma propriedade privada, mas está aberto à visitação desde 1946, com toda infra-estrutura para receber o visitante. Inclui anexo um restaurante que serve comida tipicamente mineira no fogão à lenha e uma lojinha de artesanato com trabalhos de artistas da região.
Já o Parque do Itacolomi, localizado entre Ouro Preto e Mariana, é uma unidade de conservação estadual de responsabilidade do Instituto Estadual de Florestas IEF, cujo uso público é administrado em parceria com a Fundação Educativa de Ouro Preto Feop.
A área oferece ao visitante diversos espaços de lazer e a visitação é guiada tanto na parte histórica quanto nas trilhas e expedições. No Parque do Itacolomi é possível encontrar a Casa Bandeirista, que serviu de posto fiscal no tempo da exploração aurífera; o Museu do Chá, com maquinário e área de beneficiamento do chá preto colhido nas lavouras durante alguns anos do século XX; além das trilhas, que evidenciam a beleza exótica do local.
Foto: Lúcio Armond |
A Mina da Passagem é a maior mina de ouro aberta à visitação do mundo. |
O retorno à era da maria-fumaça fica por conta da viagem entre Ouro Preto e Mariana, realizada pelo Trem da Vale. O trajeto, de aproximadamente 18 quilômetros, recria o caminho outrora percorrido pelos exploradores do ouro, ligando as primeiras capitais de Minas Gerais.
O patrimônio foi recuperado pela companhia Vale do Rio Doce. Montanhas, quedas d?água, pontes e túneis compõem a paisagem que o trem percorre durante quase uma hora de passeio.
No caminho entre as duas cidades fica, ainda, a maior mina de ouro aberta à visitação do mundo. A Mina da Passagem, como é chamada, guarda segredos e mistérios que encantam a todos. A descida para as galerias subterrâneas se faz de modo incomum, por meio de um trolley que chega a 315 metros de extensão e 120 metros de profundidade, de onde se vê um lago natural.
O cenário do interior da mina impressiona. A temperatura é estável o ano todo, entre 17 a 20 graus. Desde a sua fundação, no início do século XVIII, foram retiradas aproximadamente 35 toneladas de ouro. A Mina da Passagem fica a cinco minutos de Ouro Preto, em direção a Mariana, e está aberta para a visitação pública às segundas e terças, das 9h às 17h, e quartas a domingos, das 9h às 17h30.