Discrepância

Pesquisa revela que 11% nunca foram ao dentista

Apesar do acesso a dentistas ter melhorado nos últimos anos e da prevalência de doenças dentárias ter diminuído, discrepâncias ainda ocorrem em todo o Brasil. Dados divulgados na última semana pelo suplemento de Saúde da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) 2008, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontam que 11,7% dos brasileiros nunca foram ao dentista. No Paraná, a Pnad apontou que do total de 10.605 pessoas consultadas, 818 (7,7%) nunca consultaram um profissional.

Os números podem ser considerados no mínimo intrigantes, já que o Brasil é o país com o maior número de profissionais no mundo: 19% dos dentistas do mundo estão por aqui (cerca de 220 mil), como aponta o livro Perfil Atual e Tendência do Cirurgião-Dentista Brasileira, de autoria da professora associada da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), Maria Celeste Morita, lançado em março durante o 28.º Congresso Internacional de Odontologia de São Paulo.

Maria Celeste acredita que a situação vem melhorando muito nos últimos anos com a disponibilização do serviço odontológico nos serviços públicos e com o crescimento dos planos de saúde na área. No entanto, ela avalia que o fato de 11,7% de brasileiros nunca terem ido ao dentista é preocupante, já que o Brasil possui muitos profissionais.

Há explicações para isso. Maria Celeste constatou na sua pesquisa que um dos grandes problemas é a concentração de dentistas em determinadas regiões, o que deixa outras carentes do profissional. Para se ter uma ideia, em Curitiba, por exemplo, há um cirurgião-dentista para 336 pessoas, conforme sua pesquisa.

Já em Itaperuçu, município da Região Metropolitana de Curitiba, esse número muda drasticamente de um dentista para 22 mil pessoas. Em todo o Brasil, a prevalência de dentistas nas capitais é de 43,1%, segundo o estudo da professora. No Paraná, a concentração na capital é de 38,06%.

“Não poderia haver essa concentração tão grande, e veja que temos diferenças grandes dentro do próprio Estado. É preciso que haja políticas de incentivo à migração desses profissionais”, alerta a professora.

A conselheira do Conselho Regional de Odontologia do Paraná (CRO-PR), Carmen Lúcia Arrata, também acredita que a concentração de profissionais em determinados locais prejudica o acesso. No entanto, ela aponta entraves culturais, como o medo e até mesmo a preguiça de ir ao dentista, como fatores que contribuem para isso.

“Ainda há uma mentalidade de procurar o dentista só quando se está com dor, quando na verdade o sucesso está na prevenção. É preciso ter a consciência de que muitas doenças estão ligadas com problemas dentários”, salienta.

Assim como Maria Celeste, Carmen Lúcia lembra das melhorias no acesso vistas nos últimos anos (em 1998, o IBGE apontava que 20% dos brasileiros nunca tinham consultado um dentista) e que isso se deu principalmente pelo aumento da oferta no serviço público (hoje existem os Centros de Especialidades Odontológicas CEOs).

“Eu acredito que as pessoas já estão enxergando diferente o serviço público, os médicos e dentista públicos já não são mais mal vistos. Se alguns não dão a atenção necessária, é uma questão de gestão. Mas o acesso está sendo ampliado”, observou Carmen.

UFPR terá Banco de Dentes

A Universidade Federal do Paraná (UFPR) está criando o seu Banco de Dentes. O objetivo é que ele seja utilizado para ensino e pesquisa. Ainda não há uma data certa para início das atividades, mas a coordenadora do local, Marili Deonízio, explica que os últimos detalhes estão sendo acertados, pois é preciso ter cautela com a ética, por exemplo.

Mas segundo ela, a ideia é que o Banco de Dentes sirva de apoio para o aprendizado dos estudantes de Odontologia, e também para pesquisadores. “Será muito proveitoso, pois o dente será classificado e o estudante ou o pesquisador poderá ter contato com um dente natural e, com isso, a ,pesquisa fica fidedigna”, comentou a professora.

O Banco de Dentes da UFPR vai funcionar no campus do Jardim Botânico. Outras universidades públicas que contam com banco de dentes humanos no Paraná são a Universidade Estadual de Maringá (UEM) e a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). A doação é feita de maneira espontânea por pacientes que autorizarem. O dente é esterilizado, conservado e resfriado. (MA)

Atendimento já vai além do básico

Os representantes dos serviços públicos dentários defendem que a situação no Paraná e também em todo o Brasil tem melhorado muito nos últimos anos. No Paraná, a coordenadora do Programa Estadual de Saúde Bucal, Michelle Abboud, afirma que os Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs) contribuem com essas melhorias.

“Os CEOs, dentro do Programa da Saúde da Família, foram criados porque se percebeu a necessidade da continuidade no tratamento, que as pessoas não poderiam ficar só no atendimento básico na área da odontologia. Muita gente extraía o dente porque não tinha condições de fazer um tratamento de canal”, exemplificou Michelle.

Porém, para ela, há muito o que se fazer ainda. Por exemplo, os CEOs não estão presentes em todas as cidades (no Paraná são 46, sendo que os outros municípios são atendidos por meio de consórcio) e também não são todos que oferecem serviços de ortodontia em geral.

“Ainda não existe a cultura da prevenção, há o preconceito com relação ao Sistema Único de Saúde (SUS). Mas no Saúde da Família, o profissional vai à casa do paciente, o que é muito importante. O Paraná está na frente, se comparar com outras regiões do País”.

O Programa Estadual não levanta informações sobre, por exemplo, qual é a doença dentária mais comum no Paraná, mas tem registrado prevalência de câncer de boca (principalmente nas regiões rurais) e cárie.

Em todo o Brasil, a cárie (que em geral leva à perda dentária) também ainda é a vilã, como explica o coordenador de Saúde Bucal do Ministério da Saúde, Gilberto Pucca.

Os índices têm caído pela metade nos últimos anos, segundo ele, por conta da fluoretação das águas. Dados de 2003 (a pesquisa de 2010 deverá ser concluída neste ano) apontam que em Curitiba o índice de CPO (que mede a prevalência de cárie, dentes perdidos ou obturados) já chegou a 8 e hoje está entre 1 e 1,5.

Sobre a análise do IBGE que apontou que 11,7% dos brasileiros nunca foram ao dentista, Pucca faz críticas, mas avalia as políticas públicas do Ministério. “O IBGE não fez a divulgação dos dados por estado ou macro-região. Serão necessárias análises mais precisas destes dados para verificar se este percentual é homogêneo em todas as regiões. Porém, vale destacar que entre 1998 e 2003 o crescimento do acesso aos serviços odontológicos atingiu 5 milhões de pessoas. Entre 2003 e 2008, após o programa Brasil Sorridente, foram 17 milhões de pessoas”. (MA)

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