Chain abre o coração e conta tudo

Converso sempre que possível com Aramis Chain. É uma pessoa agradável e amiga. Tem opiniões firmes e polêmicas sobre alguns assuntos. Propus a ele, numa dessas conversas, levar um gravador para registrar sua fala e publicá-la no jornal O Estado do Paraná. A proposta foi aceita. Antes de se verificar o resultado desse diálogo, é oportuno relatar um pouco da sua história.

Chain nasceu em Curitiba aos 16 de novembro de 1943. Tem três irmãos. O pai, Hussein Chain, era de origem árabe, e a mãe, Olga Antoniuk Chain, era de origem ucraniana. Com a esposa Chang Yen-li, de origem chinesa, teve três filhos: Milena, Amanda e Aramis.

Fez o primário na Escola Estadual Xavier da Silva em Curitiba. Na década de 50, estudou no Colégio Estadual do Paraná. Na UFPR -Universidade Federal do Paraná, fez o curso de História. Teve aulas com professores como Brasil Pinheiro Machado e Bento Munhoz da Rocha. Durante a gestão do governador Dr. Paulo Cruz Pimentel, fez o concurso público para professor de História. Foi aprovado e escolheu a cidade de Cianorte, no Norte do Paraná, para trabalhar durante oito anos.

Amanda, filha de Chain,
Paulo Pimentel e Aramis Chain.

Já na UFPR, teve a oportunidade de trabalhar ao lado dos professores Cecília Westphalen, Altiva Pilatti Balhana e Jaime Cardoso. Naquela oportunidade, Chain ajudou a fazer o levantamento dos artigos dos museus e dos documentos dos cartórios paranaenses com objetivo de resgatar a história do Estado do Paraná. Cidades como São José dos Pinhais, Lapa e Paranaguá foram pesquisadas, pois eram centros de inúmeros documentos. O resultado do trabalho está no livro Arquivos paranaenses.

Com o surgimento dos cursos de Pós-Graduação na UFPR e na PUCPR – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, no final da década de 60, Chain, estimulado pela professora Cecília e pela própria direção da UFPR, deu início à livraria A Nova Ordem, especializada em Ciências Humanas. Em 1993, houve uma pesquisa em âmbito nacional para saber onde estava a melhor livraria do País. Resultado: a livraria do Chain foi vitoriosa.

Vejamos uma síntese de suas idéias:

Jorge – Do que o senhor tem saudades?

Chain – Tinha a Indústria Todeschini, só consumíamos o macarrão desta empresa. Refrigerante era o da Indústria Cini. Os sorvetes eram locais. Hoje não existem mais balas de ovos. Nós tínhamos orgulho do nosso Estado. Era assim que nós tínhamos uma idéia, o princípio de nação, onde os produtos eram consumidos do próprio País.

Eu conheci a pujança do Paraná que estava sempre em primeiro lugar no café, no algodão, no milho, no amendoim, em tantas outras coisas. Hoje perdemos vários primeiros lugares. Assisti ao surgimento das estradas de rodagens e ao mesmo tempo o declínio das estradas de ferro. Isso é um crime nacional, pois é constatado que um bom funcionário público que trabalhava nas estradas de ferro federais trazia um lucro fantástico para a nação. (…) Hoje, os pneus são importados. Carro pode ser montado aqui, mas não na sua totalidade. Isso faz com que fiquemos atrelados a empresas de fora.

Jorge – Por que o senhor sempre reclama das leis trabalhistas?

Chain – Não podemos ter uma legislação interpretada. Nós precisamos não só cumprir a lei, mas fazer justiça. Existem muitas leis que são destorcidas, que estão desintegrando o empresário no Brasil, que antes empregava, mas agora está desempregando.

Jorge – O senhor está vivendo esta experiência?

Chain – Sim. Eu tinha 69, hoje só  tenho 22 funcionários. E a intenção é desempregar mais. Temos que alterar os códigos da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, na qual a Justiça do Trabalho e o sindicato observam somente um lado, o lado do empregado. Quem faz o País é quem empreende, o administrador. Aliás, onde têm administradores nos governos?

Jorge – O que é política no Brasil?

Chain – A política é uma ciência, não é uma arte. Se formos ver nos dicionários brasileiros, eles vão dizer que ao mesmo tempo é arte e é ciência. Na Europa e nos Estados Unidos, a política é vista como ciência. No livro Os donos do poder, Raimundo Faoro, juiz e advogado constitucionalista, diz que os três poderes no Brasil, bem ou mal, desintegram a nação. E é o que estamos assistindo. A riqueza natural deste País é o que faz com que ele não afunde.

Eu não consigo entender como pessoas que trabalham com educação votaram em pessoas analfabetas. Os três poderes devem estar ligados a pessoas bem informadas, eu estou me referindo a administradores. Para um País que teve um Barão do Rio Branco, que deixou o nosso território com oito milhões e meio de quilômetros quadrados, teve os bandeirantes e os portugueses, e depois cuspir em tudo isso? É graças a esta extensão de terra que temos uma grande produção de soja, de milho e a cobiça internacional permanente destas terras e destas águas.

Você já pensou? Quem tem em casa a foto de José Bonifácio, de Joaquim Nabuco, de Belmiro Gouvêa, de Plácido de Castro? Ninguém conhece. Esses são grandes nomes, são heróis nacionais. É difícil tolerar deputados federais terem fotos de Che Guevara dentro do Congresso Nacional. Eu pago os seus salários para eles terem compromissos com o Brasil.

Jorge – O senhor falou que o administrador deve ser pessoa bem informada. Fernando Henrique Cardoso foi professor de universidade, é sociólogo e palestrante, tem vários livros publicados, porém com todo este conhecimento intelectual deixou a desejar, segundo a opinião de muitos. Como se explica?

Chain – Com essa cultura sociológica não quer dizer que ele tenha sido um bom governo, porque o Brasil e toda a América Latina, África ou os países emergentes estão atrelados ao internacionalismo. (…) Enquanto nós votarmos em indivíduos que bebem cerveja, que realizam discussões em sindicatos, não vai haver transformação. Estas pessoas não vão resolver os problemas do País.

Jorge – Mas este não é um hábito nacional?

Chain – É um hábito nacional tomar cerveja e falar sobre futebol, em vez de discutir os problemas nacionais.

Jorge – Estamos num ano de copa de mundo e de eleições, quais são as perspectivas?

Chain – Este é um ano perdido. O TRE – Tribunal Regional Eleitoral – não disponibiliza na urna o voto nulo. É preciso ensinar as pessoas a anularem o voto. Pensemos: uma mulher vai escolher um esposo, ela tem dois namorados, um é muito rico, mas vai bater nela todos os dias, e tem um outro, que é pobre e cafetão. Aí ela vai escolher o menos pior? Esta história de escolher o menos pior é o que está ocorrendo. Não existe um código ético de exigir do indivíduo os valores para nos representar no Congresso. Para a nossa assembléia, um indivíduo escolhe um candidato em troca de uma cesta básica, em troca de luz de graça, em troca de água de graça, em troca de salário de graça, em troca de um emprego de graça. (…) Para formar uma nação, é preciso cidadãos de primeira categoria, pessoas de verdade.

Jorge – Existem esperanças?

Chain – Eu tenho minhas dúvidas. O brasileiro não sabe votar, pois ainda é analfabeto. Mesmo com o doutorado é analfabeto. Do que adianta o indivíduo ter tantos cursos para depois se aposentar? O que ele fez para o País? Precisamos observar o que o indivíduo, naquela função pública ou privada, está fazendo pelo País. É mais ou menos assim, o indivíduo que no final do ano dá um panetone para um pobre e diz assim: já fiz a reconciliação com Deus! Ele não fez é nada

Jorge – Como o senhor está ajudando a sociedade?

Chain – Libero para pesquisa na nossa livraria e todo mês é realizado um concurso que tem por objetivo presentear livros a entidades pobres, por intermédio de sorteio; faço palestras em escolas públicas e privadas; estive com um programa de televisão durante sete anos e meio, ao lado do William Sade, mostrando os bons livros e a boa literatura. Nunca cobrei nada.

Jorge – Por que o Brasil, tão privilegiado em terras, tem tanta pobreza e uma dívida externa enorme?

Chain – Porque ninguém vai para cadeia. Eu sou a favor da pena de morte, porque um indivíduo que lesa um País, lesa muito mais do que um bandido que mata uma pessoa.

Jorge – Mediante tantas injustiças que ocorrem no Brasil, a pena de morte não seria aplicada somente aos pobres?

Chain – O pobre está morrendo de fome há muitos anos. Quando nós pegarmos pessoas dos três poderes que estão lesando a nação e enforcá-los em praça pública, deixarão de roubar no Brasil.

Jorge – O que é ética?

Chain – São valores que recebemos dos pais e dos antepassados. Você pode avaliar, por exemplo, um indivíduo que recebe R$ 1.500,00 ao mês e chega em casa com um BMW. A esposa e os filhos não dizem nada para ele, não perguntam para ele: Onde está o código ético? Acho que quando se vê a corrupção dentro de casa, ai faltaram os valores. E muitas vezes estas pessoas estão em cargos públicos, administrando o País.

Jorge – Eu me recordo que era comum a compra de carteira de motorista na década de 70. Parece que a corrupção assumiu uma roupagem nova, mas apresenta as mesmas características do passado. O senhor concorda?

Chain – Eu até concordo que se comprava e acho que até hoje se compra. João Ubaldo, autor do livro Viva o povo brasileiro, diz: "Sóis um povo corrupto". (…) Nós precisamos que a sociedade volte a ter valores éticos e morais.

Jorge – Uma mensagem final.

Chain – É preciso ser radical. O radical vem do grego que quer dizer raiz. Analisemos. Nós temos dois tipos de personalidade de pessoas: raiz e cipó. Raiz é aquele indivíduo que está ligado à terra e que não se deixa vencer em seus valores. Já o cipó é aquele indivíduo que vive da seiva das raízes, hoje muito bem visto na sociedade brasileira. Monteiro Lobato dizia: "Uma nação se faz com homens e livros".

Jorge Antonio de Queiroz e Silva é pesquisador, historiador, professor. Membro  do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.

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