Perdas e danos

Foto: Átila Alberti

Daiane Andrade

Um mês depois do acidente que matou seis pessoas na Serra do Mar no dia 3 de julho, a ferida ainda parece longe de cicatrizar. Além de serem obrigadas a se adaptarem à nova rotina, sem as vítimas que foram a óbito, as famílias são obrigadas mais uma vez a lidar com a burocracia. Antes, a dificuldade era para liberar os corpos. Agora, a luta é para conseguir dar início aos processos de indenização.

“Durante todo esse tempo a gente ficou nas mãos de corretores terceirizados que não faziam a menor questão de se inteirar do que aconteceu, que ficavam exigindo documentos que queimaram no incêndio”, conta Robson Novakoski. Ele perdeu a irmã, Ana Carolina Novakoski, de 43 anos, e explica que, além da falta de apoio da Concórdia Logística, responsável pelo caminhão-tanque que provocou o desastre, as dificuldades para pedir o ressarcimento pelas perdas materiais representam uma dor a mais.

“A gente nem entrou no assunto da morte dela ainda. Até agora estamos tentando só a indenização pelo carro da minha irmã, que era financiado. Mas os corretores estavam querendo coisas absurdas, que não existem mais, como a carteira de habilitação e o documento do veículo, por exemplo”.

Questão de respeito

Foto: Daniel Castillo
Burocracia dificulta recebimento de indenização. Foto: Daniel Castellano.

A Bradesco Seguros é a responsável pelas indenizações desse acidente. E somente ontem a família de Ana Carolina conseguiu contato direto com a empresa. “Eles deram um novo caminho agora. Sugeriram que a gente consiga um documento com o banco onde o carro estava financiado”. Com isso, a seguradora teria garantido que consegue quitar as parcelas pendentes e ainda repassar pra a família o valor residual referente ao que já havia sido pago pelo automóvel. “Eu espero que tudo se resolva logo, porque nós gastamos muito com taxas, impostos, documentos em cartório e despesas adicionais que têm surgido”, explica.

Por meio de nota, a Bradesco Seguros apenas esclarece que “em conformidade com o contrato estabelecido com a empresa segurada, os pedidos de indenizações encaminhados com base na referida apólice estão sendo devidamente providenciados”. Para Novakoski, não se trata de dinheiro. “É uma questão de cumprir com a palavra e de respeito às famílias”.

Morre também quem fica

Outra família destroçada é a de Deusedino Cunha. Ele perdeu o filho, Anderson Luiz Cunha, de 43 anos, e o neto, Gabriel Baptista Cunha, de 13 anos. Pai e filho morreram queimados na volta de um passeio no litoral e nem isso teria sido suficiente para sensibilizar a ConLog. “Eles apareceram uns dias depois e assumiram só as despesas com os túmulos. Isso eles custearam, mas foi só, e depois a empresa sumiu de novo. E tudo o que foi gasto antes ficou pra nós e ninguém ressarciu. É complicado porque nós não somos ricos e a situação está cada vez pior”.

O que diz a empresa

Foto: Daniel Castillo
Foto: Daniel Castellano.

Desde o acidente, que foi registrado no quilômetro 33 da BR-277, em Morretes, no Litoral do Paraná, a ConLog tem se manifestado por meio de nota. A empresa mantém o argumento de que tem apoiado a investigação e as famílias e que aguarda o encerramento a conclusão do inquérito para se posicionar sobre as possíveis causas do que chama de “fatalidade”.

A Concórdia Logística “ressalta ainda que está em contato constante com os familiares das vítimas oferendo apoio psicológico e o suporte necessário. Esse mesmo suporte foi proporcionado aos demais envolvidos no acidente para solucionar todas as demandas que foram apresentadas”. A companhia finaliza o comunicado destacando que cultiva a segurança como um de seus valores fundamentais, com foco contínuo e permanente no trabalho que realiza.

Sucessão de erros

O laudo de uma análise encomendada pela Comissão Especial da Câmara Federal que trata da construção do Marco Regulatório do Transporte de Cargas no país, por meio do Projeto de Lei 4860/16, aponta que o acidente poderia ter sido evitado. De acordo com o documento, assinado pelo especialista em investigação de acidentes, Márcio Lopes, o desastre foi o resultado de uma soma de erros, dentre os quais se destaca o fato de o motorista José do Nascimento Pacheco, de 43 anos, ter seguido viagem apesar do problema nos freios no caminhão.

Pacheco foi preso e ficou dois dias na carceragem da Delegacia de Morretes, que conduz as investigações. Ele foi liberado mediante o pagamento de fiança fixada em R$ 8,8 mil. O homem deve responder pelo crime de homicídio doloso com dolo eventual quando se assume o risco de matar.

Segundo o relatório, a falha foi tanto da empresa, que autorizou a continuidade da viagem, quanto do caminhoneiro, que decidiu obedecer à orientação do encarregado identificado como César. Em depoimento à polícia, Pacheco teria explicado que o veículo estava com vazamento de ar em uma das bexigas devido a um rompimento, e provavelmente isso comprometeu a produção de ar comprimido no compressor, culminando no não acionamento de maneira generalizada do sistema de frenagem.

O documento enfatiza ainda que, conforme os registros da Polícia Rodoviária Federal (PRF), “o tracionador, ou cavalo mecânico, já havia se envolvido em três acidentes, sendo um deles classificado como média monta, que poderia comprometer a segurança do mesmo”. Além disso, o veículo trafegava sem o registro obrigatório da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) porque o recadastramento não havia sido realizado e já estava vencido.

Mais prazo

Foto: Daniel Castillo
Foto: Daniel Castellano

A análise encomendada pela Câmara Federal deve ser encaminhada à Polícia Civil nos próximos dias e deve ajudar nas investigações. “Nós estamos cientes da existência desse laudo e estamos no aguardo. Eu acredito que isso pode ajudar a esclarecer os fatos e, se for mesmo relevante, vai ajudar a embasar o trabalho da perícia”, explica o delegado Antônio César Pereira dos Santos, responsável pelo caso.

A investigação policial sobre o acidente ainda não foi concluída. Como ainda precisa do resultado da perícia feita pelo Instituto de Criminalística e da resposta da empresa, que deve ser ouvida por carta precatória por estar sediada em Santa Catarina, o delegado pediu mais prazo para encerrar a apuração. A solicitação foi encaminhada anteontem (3). “Geralmente, em casos assim, são concedidos mais 30 dias”, afirma.

Relembre

Além dos mortos, 13 pessoas ficaram feridas no acidente. O caminhão havia saído de Barra Bonita, em São Paulo, com destino a Paranaguá, no litoral paranaense, e estava carregado com 44 mil litros de álcool combustível. Sem controle e em alta velocidade, conforme relatou o próprio motorista, o veículo tombou em uma curva. Foi quando o tanque cheio de etanol se soltou, invadiu a pista contrária, deu início a um grande incêndio e, em seguida, explodiu. Alguns policiais rodoviários que atenderam à ocorrência compararam o desastre a uma cena de guerra.

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