O perigo de fumar na adolescência

A adolescência é uma fase complicada. Nós, que já passamos por ela, bem sabemos suas delícias e seus perigos. Costumo dizer que por sorte não morri na adolescência, tamanhos os riscos que corri. Ano passado, esteve no Rio de Janeiro um especialista americano que, ao fazer uma conferência sobre a abordagem de adolescentes dependentes de drogas, finalizou seu discurso com a seguinte frase: “A adolescência é um transtorno transitório”. É um transtorno, mas passa… O que ocorre é que nessa fase nosso pensamento ainda é muito imaturo, enquanto nosso corpo começa a se tornar adulto. Tudo no mundo é novo e de tudo queremos experimentar. É a idade do risco. Idade ideal para o mercado das drogas. Ideal para se começar a fumar.

Quase toda propaganda da indústria tabagista dirige-se direta ou indiretamente a este segmento de mercado. Em 90% dos casos, o início do consumo de cigarros ocorre na adolescência, dos 13 aos 15 anos . Além da enorme quantia de dinheiro que a indústria do tabaco emprega para induzir as pessoas a fumarem, fatores especialmente relevantes para estimular o início do consumo são o fato de um dos pais fumar, ou a presença de colegas fumantes, especialmente se forem dois ou três anos mais velhos. Sempre que me perguntam o que os pais podem fazer para evitar que seus filhos fumem, mais que rapidamente respondo: não fumar.

A pior notícia, entretanto, vem agora: estima-se que no mínimo um terço das pessoas que chegam a fumar um cigarro venham a se tornar dependentes. Embora o primeiro uso de um cigarro seja tipicamente marcado por efeitos desagradáveis como tosse e náusea, estes rapidamente diminuem. Isto permite novas tentativas. Segue-se um período de experimentação em que muitos jovens parecem aprender a regular os efeitos do cigarro (aprender a tragar). A tolerância continua a aumentar, permitindo que se estabeleça um padrão típico de consumo diário.

Num período que pode ser de poucos meses, alguns fumantes começam a tornar-se dependentes da droga que vicia no cigarro, a nicotina, e passam a apresentar os primeiros sintomas de uma síndrome de abstinência (irritabilidade, ansiedade, inquietação, aumento de apetite e diminuição de concentração), toda vez que passam algumas horas sem fumar. Com efeito, 90% dos fumantes têm dificuldade de reduzir o consumo de cigarros abaixo de doze unidades por dia. Uma pesquisa feita com 800 fumantes em quatro estados do Brasil, coordenada por mim através da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, mostrou que pelo menos 50% dos jovens entre 14 e 18 anos haviam tentado deixar de fumar pelo menos uma vez. Estes jovens já não conseguem se livrar do vício.

Mas não é somente devido à dependência física da nicotina que eles têm dificuldade de abandonar os cigarros. Com o tempo, cada cigarro passa a ficar preso a inúmeras situações de vida. Não se consegue mais pensar em estudar sem um cigarro ao lado, em tomar café sem um cigarro. Deste modo, durante a fase de dependência de nicotina, a maior parte dos fumantes repete um ciclo de uso e reforço da nicotina e sintomas de abstinência.

Aqueles que consomem mais de 20 cigarros por dia tendem a ter sintomas mais nítidos da síndrome de abstinência. Da mesma forma que aqueles que bebem derivados etílicos logo após acordar podem ser facilmente classificados como dependentes do álcool, fumar nos primeiros cinco minutos depois de levantar tende a ser evidência de dependência desta droga.

O ciclo que leva a dependência de nicotina é similar ao que leva a dependência de outras drogas, e podemos esquematizá-lo assim: uso da nicotina (sensação de bem-estar, aumento do desempenho em tarefas específicas); desenvolvimento de tolerância e dependência física; formação e reforço de associações entre diferentes estímulos e o uso de cigarros; síndrome de abstinência; a nicotina é usada como automedicação dos sintomas de abstinência; e recaída (voltar a fumar ou persistir fumando).

Podemos dizer que começar a fumar raramente é uma opção individual. A maioria dos indivíduos o faz numa fase em que as opções de vida se dão de forma conturbada. Continuar fumando também não é uma opção. O que inicialmente fazemos por busca de prazer, acaba perpetuado para se evitar o desprazer da abstinência. Conclusão: fumar, melhor não começar!

Analice Gigliotti

é psiquiatra.

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